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Vaticanistas portugueses analisam novo pontificado
“Primeiras intervenções do Papa Francisco repetem a necessidade de ir ao essencial da fé”
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Dois meses depois da eleição do Papa Francisco, o Jornal VOZ DA VERDADE juntou os dois vaticanistas portugueses com acreditação permanente na Santa Sé – Aura Miguel, da Rádio Renascença, e Octávio Carmo, da Agência Ecclesia –, e ouviu as expectativas e preocupações que se destacam no início deste pontificado.

 

O facto do Papa Francisco celebrar diariamente a Eucaristia na Casa de Santa Marta tem originado uma produção maior de informação do que era habitual?

Aura Miguel: Como o Papa ainda não divulgou, oficialmente, a sua equipa, há ainda dificuldade em saber como divulgar a muita informação que vai surgindo. Uma coisa é divulgar os documentos oficiais, outra é este fenómeno extraordinário onde se conhece verdadeiramente o Papa Francisco que são as homilias na Casa de Santa Marta. Infelizmente, e incompreensivelmente, não são dadas a conhecer na íntegra. São filtradas por quem as ouve e quem as edita, o que revela uma fragilidade na forma de comunicar da Santa Sé. Mas como o Papa Francisco é, por excelência, um grande comunicador, a questão da comunicação deste Papa ultrapassa o problema organizativo.

Octávio Carmo: Sempre me causou alguma impressão o Bispo de Roma, ao Domingo, celebrar Missa em privado. Por isso, parece-me uma mudança positiva haver esta partilha. Por outro lado, considero que os dois meses de pontificado do Papa Francisco devem muito da divulgação da mensagem aos media. As homilias diárias, que já começam a ser intituladas de ‘miniencíclica’, são conhecidas porque o Vaticano as grava e divulga algumas partes. E nós temos o trabalho de, a partir daí, fazer notícia, tentar contextualizar... Há, por isso, todo um património que deve muito ao trabalho dos media. Neste Dia Mundial das Comunicações Sociais é interessante reconhecer isso porque há muita procura, muita gente que quer ouvir e quer saber e portanto temos de responder a essa vontade.

 

Isso veio trazer mais trabalho aos vaticanistas?

Aura Miguel: A preguiça há sempre em todos os níveis. E a pessoa pode ter sempre mais ou menos atenção. Mas no que diz respeito às homilias diárias do Papa, o nosso objectivo é ler as homilias na íntegra e se a pessoa for preguiçosa lê o que outro leu, faz uma cópia e divulga algo parecido. Honestamente, deve-se ir à fonte e ler o integral da homilia e isso ainda não é possível. Por outro lado, verifica-se que o estilo do Papa Francisco é o de falar sem papel. No entanto, pela responsabilidade de ser Papa e pelas transmissões para todo o mundo, as suas homilias, nas grandes celebrações, têm de ter um texto escrito. Vê-se, inclusive, o esforço que Francisco faz para não sair do texto.

Octávio Carmo: Estas homilias são baseadas na oralidade. São uma espécie de catequese que se perde quando são cortadas na sua publicação. Elas têm muito de genuíno. Para os crentes, que estão agora a conhecer o seu líder espiritual, é natural que queiram saber que caminho está a levar a sua Igreja, e isso tem sido bastante definido. Para perceber quem é esta pessoa, estes momentos mais espontâneos, quase carinhosos, permitem perceber qual a teologia que está por detrás deste Papa, e isso é muito interessante.

 

É possível fazer um balanço destes dois meses de pontificado?

Octávio Carmo: Penso que ainda estamos na fase das impressões. Houve uma mudança de atitude em relação ao pontificado, e a figura do Papa Francisco, que se caracteriza pela simplicidade, genuinidade e espontaneidade, conseguiu atrair algumas franjas que são relativamente críticas da Igreja Católica. Mas o pontificado tem deixado, já, algumas ideias fundamentais que são teológicas e não deste âmbito da imagem. As primeiras intervenções do Papa Francisco repetem a necessidade de ir ao essencial da fé, de apresentar a fé em Jesus Cristo como uma força que é capaz de transformar a vida pessoal e da sociedade. Isto, para mim, tem sido fundamental. Tem sido muito curioso, também, a questão do cristianismo não ser uma opção para pessoas 'paradas' porque a fé implica que as pessoas estejam em luta. Luta contra as tentações e luta contra o mal, muitas vezes referenciado com a personificação do demónio, o 'príncipe do mundo'. O Papa já utilizou várias expressões para falar do demónio e exemplificar que o cristianismo implica uma luta que pode ir até ao fim. Daí as várias referências aos martírios e perseguições. Este bloco, que pode não ser o mais mediático, porque não vale tanto como a curiosidade de um telefonema a um talho, traz ideias centrais que são muito interessantes e espero que sejam concretizadas num primeiro documento de fundo.

Aura Miguel: Ainda é muito cedo para analisar o pontificado mas podemos partir da primeira homilia do Papa Francisco, quando encerra o Conclave. As suas homilias são curtas e muito diretas e assim foi, também, com os cardeais, deixando três ideias chave: caminhar, edificar e confessar. Se fizermos com cada um destes conceitos umas ‘chavetas’ podemos entender o pontificado. Uma Igreja parada morre. O sentido de caminhar parte de nunca achar a fé como adquirida; o edificar só acontece num encontro pessoal com Cristo que é a experiência dele; o confessar tem a ver com a missão e com o contagiar à volta aquela certeza de que se vive isto. Isto não é novo mas através do Papa Francisco assume uma frescura incrível.

 

No início do pontificado os meios de comunicação social acompanhavam Francisco a par e passo. Atualmente não o fazem com a mesma intensidade. Esgotou-se o tema ‘Papa’?

Octávio Carmo: Esta espécie de encantamento inicial é habitual. Há uma mudança muito grande no olhar que se tem sobre quem é o Papa, a sua figura e o que vai ou não fazer. Mas este estado de graça vai passar, tal como aconteceu, exatamente, com Bento XVI. Compreendo que, empurrados pelo crescimento de audiências, de tiragens e de vendas, que esteve ligado ao Conclave, os media conseguiram levar por diante esta onda mediática. E o interesse que a Igreja Católica ainda suscita, especificamente em Portugal, levou à necessidade de manter essa atenção sobre o novo Papa. Para quem faz isto, diariamente, coloca-se uma missão de atenção, de verdade e de seriedade, que é grande, porque as pessoas têm o direito de ouvir aquilo que é dito sem ser necessariamente por um filtro mais ou menos sensacionalista. Mais do que saber que numa audiência-geral o Papa recebeu uma camisola do equipa do San Lorenzo, é nossa responsabilidade que as pessoas possam saber sobre o que o Papa falou nessa mesma audiência. O conhecimento de causa que Francisco tem demonstrado impressiona e faz com que as pessoas o queiram ouvir. O que o Papa tem dito está impregnado deste conhecimento da vida de milhões de pessoas que diariamente têm de lutar, em contextos muito diferentes, para afirmar a sua fé e para que a sua fé faça sentido no seu dia-a-dia.

 

Este Papa já demonstrou também ser mariano...

Aura Miguel: O facto de o Papa ter desejado inserir no final do Conclave a consagração a Nossa Senhora é um sinal claro disso mesmo. O Papa quis, assim, associar Nossa Senhora à sua eleição e isso é algo completamente inédito.

Octávio Carmo: Ver a maneira como um Papa se relaciona com Nossa Senhora é sempre muito curioso. Eu diria que é quase um índice de catolicidade do Papa! É sempre uma questão que aparece: qual é efetivamente a devoção e a relação com Nossa Senhora? Do ponto de vista português, o primeiro termómetro da relação de um Papa com Portugal é a sua devoção a Fátima. Por outro lado, a Senhora aparece ligada ao papel da Igreja como Mãe. E isso é uma personificação das atitudes que o Papa quer que a Igreja tenha.

 

Tem-se colocado muita expectativa sobre o que o Papa possa vir a dizer no que diz respeito às chamadas questões fraturantes. O que se pode esperar?

Aura Miguel: Podemos ir ver o que disse antes de ser Papa e por isso penso que não haverá grandes novidades. Mas vamos aguardar para ver…

Octávio Carmo: O interessante é perceber o que é efetivamente fraturante, tendo em conta que quem está na Igreja não vê, necessariamente, os temas que são mais mediatizados como fraturantes. Mas temos aqui uma mudança de papel que já se viu que não vai fazer uma mudança de magistério mas que pode, eventualmente, em algumas questões, ser necessário promover ajustes no discurso. São essas questões que vão definir, efetivamente, a capacidade de se adaptar ou não à necessidade de um discurso global. E daí perceber que o magistério que emana do Bispo de Roma é um magistério global. Por isso, penso que ainda falta o momento do ‘choque’.

 

Atualmente temos dois Papas a viver no Vaticano. Como veem esta situação?

Aura Miguel: É uma situação muito estranha. Mas uma coisa é certa: Bento XVI vai ser muito discreto e nunca mais vai aparecer. O Papa Francisco várias vezes lhe telefonou, o que demonstra uma relação de humildade dupla. Impressionou-me, nas imagens que vimos, ver Bento XVI, que é como um pai, estar ali como filho de Francisco. Esse era um sinal de profunda humildade. Depois, quando foi o momento de rezar, viu-se o contrário. Francisco foi, também, profundamente humilde. Essa é a maior riqueza! Por outro lado, do que nos é dado a perceber, vejo o Papa Francisco muito livre em relação a Bento XVI e muito humilde para não se incomodar com a presença de um Papa Emérito que é um grande teólogo. Por isso, penso que vai ser muito pacífico. Mais para eles do que para muitos fiéis.

Octávio Carmo: De facto a convivência entre eles não me parece problemática, mas do ponto de vista das comunidades é que pode haver problemas. Confesso a minha surpresa em ver divulgadas tantas imagens dos dois encontros entre eles, porque pensei que não mais voltaria a ver Bento XVI. Surpreende-me que não tenha havido algum cuidado em evitar esta exposição que pode promover alguma confusão. No entanto, é reconfortante saber que há aquela referência teológica, ainda em vida, que é Bento XVI. Mas, reforço, seria bom gerir mediaticamente a imagem para que se evitem estas confusões e é bom que as comunidades estejam suficientemente esclarecidas sobre a situação.

 

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Papa Francisco usa linguagem de rede social

Se Bento XVI foi um grande incentivador das redes sociais, o Papa Francisco veio a aumentar o número de seguidores nestas redes. Que significado se pode atribuir a este fenómeno?

Aura Miguel: Parece-me que a disponibilidade para as pessoas ouvirem o que o Papa está a dizer é um dos reflexos do seu pragmatismo. E o Twitter é o lugar ideal para isso, onde cada frase é uma 'bombinha'.

Octávio Carmo: O Papa tem, de facto, uma linguagem de rede social. Por isso, o aumento dos seus seguidores tem a ver não só com o interesse e curiosidade, mas também com a linguagem de rede social que usa e que funciona muito bem.

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