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Nuno Cardoso Dias
Para o meu filho mais velho, no dia da sua primeira comunhão
João, eis que chegámos à tua primeira comunhão. Ver-vos crescer na fé tem sido um privilégio. Assumimos a vossa catequese juntos, eu e a tua mãe, e juntos temos conseguido. Às vezes fazemos as coisas em conjunto e é bom, porque somos pessoas diferentes, vocês também são e a diversidade é espaço de encontro. Noutras alturas é um que assume e apoia o outro, mais sobrecarregado. Às vezes dividimo-nos, para dar melhor resposta, outras vezes unimo-nos com o mesmo fim. Alturas houve em que a tua mãe me carregou nos braços para que eu pudesse fazer o luto do teu tio. E muito há que ficou queimado nesse luto, que secou. Creio, porque já vi terra queimada e sei que é assim, que dali nascerão novas árvores, mas por hora grassa ainda o deserto e outro luto, bem mais difícil, o luto de algumas imagens de Deus. O Deus todo poderoso, o Deus que intervém, o Deus que interfere. Todos estes morreram com o teu tio.

Foi precisamente nesta altura que um dia passo os olhos pela televisão, o Câmara Clara, e lá estava o Padre Tolentino Mendonça, falando da impotência de Deus. E nestes acasos te vais alimentando, pelo deserto. Graças a Deus. Eu sei que há aqui uma contradição, entre um Deus que não actua no que é importante mas tem atenção ao pormenor. É verdade, e não sei o que fazer com ela, mas percebe: perante Deus temos de nos dar tempo. Um Deus que cabe nas nossas mãos é um reflexo, uma imagem, um ídolo apenas.

Um apoio importante tem sido a nossa Equipa de Nossa Senhora. Grupo de fé e grupo de amigos, têm sido um testemunho, um espaço de encontro e de partilha que me tem ajudado muito a caminhar, assente na segurança de uma dinâmica própria, na exigência dos pontos concretos de esforço, na paciência, no exemplo e na esperança dos outros casais e do nosso conselheiro espiritual

Duas frases me têm acompanhado, João. A primeira de um pai marcado pela doença do filho: “Senhor eu creio, mas aumenta a minha fé.” Tem sido uma oração repetida inúmeras vezes. Quando não puderes orar de outra forma, talvez esta oração seja um conforto e um amparo para ti, como tem sido para mim.

A segunda, a frase de Pedro, perante Jesus: ”Onde iremos Senhor, se só tu tens palavras de vida?” Porque é importante que te diga: não encontro, fora de Cristo, do seu mandamento, da sua vida, nenhuma resposta que frutifique. Neste sentido posso dizer que a minha fé tem saído reforçada, temperada, deste percurso. Jesus que vivia sempre plenamente aquele momento, que não adiava a oportunidade de se dar, de amar, de fazer o bem. Jesus que nos convida à discrição, à humildade, na verdade. Jesus que nos convida a não ter medo, a não ter pesos, a não ter preocupações, a não ter culpas. Que olha sempre para nós como capazes de amar e de mudar a nossa vida e a dos outros com esse amor. Jesus que nos ensina a ler em nome próprio a palavra de Deus. João, o Espírito de Deus está sobre ti. Ele ungiu-te e enviou-te a anunciar a Boa Nova.

Deixo-te ainda uma terceira frase, uma que repetirás a cada comunhão e a única que me permite aproximar-me da mesa da eucaristia. A liturgia adaptou a frase de um centurião romano: “Senhor, eu não sou digno que entreis em minha morada, mas dizei uma só palavra e serei salvo” Como teu catequista, como teu pai, é esta a frase que gostaria que lembrasses sempre. Ninguém se aproxima de Deus pelo seu mérito, nenhum de nós é digno de Deus. Ele não cabe nas nossas mãos, mas marcou-nos com as suas: o Seu Espírito está sobre nós e envia-nos. Não nos envia a excluir ninguém mas, pelo contrário, envia-nos ao encontro e à comunhão. Envia-nos a anunciar a Boa Nova. A ter vida e a dar vida. Não temos o direito de recusar ninguém a Deus, porque ele dá-se a todos. À sua mesa esteve também aquele que o traiu e o que o negou. A todos lavou os pés e a todos alimenta na vontade do Pai e no seu mandamento: que nos amemos uns aos outros como ele nos amou.