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Pe. Alexandre Palma
O (ab)uso da imagem

Por estes dias estiveram expostas em Lisboa as fotografias selecionadas pelo World Press Photo como as melhores do ano de 2012, seleção que pretende premiar os melhores trabalhos na área do fotojornalismo. O que ali se expõe é um pouco da história presente do nosso mundo. Todavia, assim reunidos, aqueles muitos retratos compõem um retrato maior. Neles podemos olhar o mundo no ano que passou, mas não só. Aquelas fotografias também contam histórias. As objetivas destes fotógrafos têm o poder de nos transportar não apenas para o contexto da fotografia, mas para as vidas dos fotografados. Assim, os que nelas nos são apresentados tornam-se nossos conterrâneos, já não apenas nossos contemporâneos. São vidas pautadas por coisas simples de todos os dias: uma queniana que lê na lixeira onde recolhe alimento; um sem-abrigo americano que dá graças a Deus por um hambúrguer; um atleta olímpico que exibe o seu esforço e júbilo; uma turma crianças indianas que têm por escola um estaleiro de obras. São também vidas duramente castigadas por dramas e guerras. Há, de facto, muito de morte e guerra nesta seleção. Estranhamente, a guerra parece ser fotogénica!

Uma exposição como esta exalta a força que uma imagem pode ter. Mas ao mesmo tempo, ela denuncia que algo está doente na nossa comunicação visual. Ao ver aquele retrato de 2012 fiquei com a impressão que ali me estava a ser mostrado um ano diferente daquele que quotidianamente me foi dado a ver através dos media. Não é que algumas das situações ali documentadas não tenham tido eco informativo em jornais, televisões e demais meios de comunicação social. Tiveram, ainda que em alguns casos bem depressa tenham sido esquecidos. Todavia, sem a densidade humana que me transmitiam essas fotografias selecionadas. Com efeito, o modo acelerado e inquieto com que hoje esses meios tendem a fazer passar diante de nós as imagens deste nosso tempo em vez de gerar proximidade, parece criar indiferença. De tanto estimulados, os nossos olhos como que se defendem não levando muito a sério o que vêem. A multiplicação nervosa de imagens não é pois garantia de um olhar mais atento e sensível ao real. Assim sendo, não será sequer garantia de um olhar mais rigoroso sobre o mundo.

Podem estes apontamentos parecer divagações sem grande impacto nas nossas vidas. Pessoalmente, estou em crer que têm. Tê-lo-iam sempre, mas têm-no muito mais numa sociedade (como a nossa) particularmente definida a partir da imagem. Pelo seu uso, mas também pelo seu abuso. Não sei ao certo quantas palavras pode valer uma imagem. É comum dizer-se que são mil. Haverá casos em que será mais. Outros haverá que vale bastante menos. Importa pois que saibamos distinguir uns dos outros. É que a saúde do nosso corpo social depende também da saúde dos seus olhos.

 

(Nota: as fotografias do World Press Photo 2013 podem ser vistas em: http://www.worldpressphoto.org/awards/2013)