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Guilherme d'Oliveira Martins
Franciscanismo
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Hoje, o Papa Francisco deu uma nova projeção ao «poverello», que teve influência decisiva na construção da nossa cultura. Basta ver como a literatura portuguesa se alimentou desse “poderoso sopro espiritual”, segundo António Quadros. E se nos gerámos nessa convergência rica e singularíssima entre o Atlântico e o Mediterrâneo, não podemos esquecer a simbiose mística cantada por Frei Agostinho da Cruz - “Daqui mais saudoso o sol se parte; / Daqui muito mais claro, mais dourado. / Pelos montes, nascendo, se reparte”. E quando partimos em busca do incerto e do misterioso, fizemo-lo nesse espírito. Do que se tratava era de ligar o “saber de experiências feito” aos sentimentos, numa lírica “repassada de ternura e piedade”. Leia-se Antero de Quental para o compreendermos. E Jaime Magalhães de Lima fala da “glorificação da terra e da alma tal qual a santidade e a poesia a conceberam em um fenómeno de exaltação que foi um relâmpago de luz incomparável sobre todas as dúvidas que nos atormentam a felicidade”.
Poderemos ainda citar Camões pelo espírito de que está imbuída a sua obra épica e lírica, perpassada por uma atitude voluntariosa, amorável e terna. E podemos aludir ainda a Francisco de Portugal, Jerónimo Baía, Francisco Manuel de Melo e ao Padre António Vieira. Vieira proclama: “Negou-se de tal maneira a si mesmo, que deixou totalmente de ser o que dantes era. Pois se Francisco não era Francisco, que era? Era Cristo”. E, em chegando ao século XIX, Garrett, nas “Viagens”, e Herculano, em “A Harpa do Crente”, invocam esse mesmo espírito. E podemos ainda lembrar Eça de Queirós, na memória de Frei Genebro, Teixeira de Pascoaes, em “Maranus”: “S. Francisco de Assis falava outrora, / Aos animais, às flores, triste e só…”, ou Afonso Lopes Vieira: “O povo da cercania / vai fazer a montaria / à fera que o assaltava / e os gados lhe perseguia!”. E até Fernando Pessoa nos fala do santo de Assis ao escrever, à volta de 1912, “Prece”: “Senhor, protege-me e ampara-me. Dá-me que eu me sinta teu. Senhor, livra-me de mim”…
O franciscanismo está no código genético da cultura portuguesa – a partir da consideração do primado da pessoa humana, da valorização da hospitalidade e da entreajuda comunitária e do espírito de disponibilidade para o que é diferente. E, como salientou, Agostinho da Silva, o mundo que o português criou corresponde a uma síntese onde tudo se encontra: o sonho, a descoberta, a aventura, a cordialidade, o desafio, a incerteza, a disponibilidade, o diálogo, a diferença, a natureza… E se nos lembrarmos do prolóquio popular, que persiste nos Açores, “a cada canto seu Espírito Santo”, fácil nos é de perceber esta influência como sinal emancipador. E o certo é que esse culto foi obra de franciscanos, para quem “Cristo era irmão dos humildes; e a Virgem, a Mãe misericordiosa dos homens”.
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