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A. Pereira Caldas
Os cem dias de Francisco
Foi há pouco mais de três meses que o fumo branco a sair da chaminé instalada na Capela Sistina, onde se reunia o Conclave, anunciou que acabara de ser eleito o sucessor de Bento XVI, o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio.

À surpresa da escolha – o cardeal eleito não estava entre os considerados “papabile” tanto pela comunicação social como nos meios do Vaticano –juntou-se uma quase imediata percepção de que o novo Papa trazia algo de novo, algo que iria sacudir os católicos, isto é, a Igreja. Desde logo, das suas primeiras palavras, dois factos ressaltaram: a humildade de pedir aos milhares de pessoas que enchiam a Praça de S. Pedro que rezassem por ele para que conseguisse cumprir, o melhor possível, a sua missão; e a escolha do nome de Francisco, significando a sua vontade de lutar por uma Igreja verdadeiramente comprometida com a pobreza.

E não foi preciso esperar muito para se descobrir no Papa Francisco o seu desejo de se sentir perto das pessoas, tanto na rua, sem qualquer protecção, como nas audiências individuais ou colectivas, com os interlocutores a sublinharem a sua afabilidade, a sua sensibilidade e, mesmo, o seu sentido de humor.

Tudo isto já muitas vezes foi dito e escrito, mas vale a pena relembrá-lo pelo que reflecte da personalidade de Francisco e se projecta no interior da Igreja, abrindo-lhe perspectivas novas de intervenção, por actos e palavras, particularmente importantes numa altura em que a humanidade se debate numa perigosa vaga de destruição ou, o que é pior, de inversão dos valores fundamentais.

Passaram três meses – tempo curto, mas tempo usual de primeiro balanço – e a verdade é que as melhores expectativas se confirmam. Já se sente a convicção de que a Igreja de Roma vai conseguir encontrar o melhor caminho para se mover e fazer vingar, por dentro, a força da sua doutrina neste imprevisível mundo global, dominado pelo progresso tecnológico vertiginoso capaz, só por si, de levar o homem à suprema ilusão de se considerar deus. ´

É este um trajecto espinhoso para os católicos que o quiserem trilhar. Nunca princípios sagrados do cristianismo, como a defesa do direito à vida, poderão ser postos em causa ou muito menos beliscados. Mas como afirmou o Papa Francisco, numa recente mensagem aos jovens – e, por isso, o caminho é estreito… –  é preciso que “não tenham medo de andar contra a corrente”.

E andar contra a corrente é, por exemplo, ter a coragem de seguir Francisco quando chama a atenção para a evidência que ninguém quer ver de que “a crise económica não é desculpa para o escândalo da fome no mundo”. Uma afirmação que tem como destinatários os detentores do poder económico e político, para quem as pessoas que os elegeram e dizem servir não passam de números postos à disposição dos seus interesses.

Porém, o Papa também foi capaz de lançar um olhar profundo para o interior do Vaticano – e não se coibiu de denunciar a existência de corrupção e de um “lobby” gay na Cúria Romana. Uma atitude que marcará, muito para além deste balanço dos cem dias, todo o seu pontificado.

Decididamente, “Habemus Papa".