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Os pecados «normais»

Se é verdade que os manuais de teologia moral distinguem muitas espécies de pecados, nomeadamente os capitais, os mortais e os veniais, também é certo que, no linguajar menos científico dos cristãos, é frequente a referência aos pecados «normais». A expressão, algo confusa e abstracta, releva, certamente, não pouca ignorância, mas também um deficiente entendimento da perfeição a que estão chamados todos os cristãos, e, pior ainda, do que realmente significa o pecado no percurso da salvação.

Em termos etimológicos, a normalidade define-se, valha a redundância, pela adequação à norma, ou seja, é normal o que se ajusta à lei. Neste sentido, é normal, para um cristão, o que corresponde aos mandamentos da Lei de Deus, porque é de supor que um fiel honre com a sua vida esses preceitos. Contudo, em termos sociológicos, a normalidade é aferida em termos estatísticos, ou seja, é aquele comportamento mais generalizado numa determinada sociedade. Assim sendo, entre a população de uma penitenciária, será normal ser criminoso; como numa comunidade religiosa, será normal a vivência da virgindade ou do celibato.

Na realidade, a normalidade sociológica é indiferente em termos éticos: já foi normal a escravatura ou a tortura, procedimentos inadmissíveis numa sociedade moderna, como também já foi normal o respeito pela vida dos não-nascidos, ou a prática do jejum e da penitência em sociedades que, muito embora atrasadas em termos tecnológicos, eram mais avançadas do ponto de vista humano e espiritual.

A normalidade do pecado é, por definição, um contra-senso: é tão normal o pecado como é normal a doença. Para nenhum médico, como certamente para nenhum doente sensato, nenhuma doença é normal. A «normalidade» do pecado não é uma desculpa mas uma culpa acrescida, porque significa que, para além da gravidade das faltas cometidas, há ainda a lamentar a insensibilidade da consciência, que já não se consegue aperceber do seu estado doentio e que, por isso, confunde a sua anomalia com uma mal-entendida normalidade. É a pior cegueira, a de quem não quer ver…

O paradigma da vida cristã normal é a santidade e, por isso, só são cristãos normais os santos. Desculpar-se com a pretensa normalidade dos próprios pecados é acusar-se de hipocrisia, ao jeito dos fariseus, que também justificavam as suas faltas e, por isso, não se convertiam. Razão de mais para que, neste tempo salutar da Quaresma, peçamos a Deus, com espírito humilhado e contrito, que nos livre de tal maldição: Dos pecados «normais», libera nos Domine!