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P. Duarte da Cunha
O laicismo e a laicidade

Os presidentes das Conferências Episcopais de toda a Europa estiveram reunidos em Bratislava, Eslováquia, de 3 a 6 de Outubro. Tratava-se da reunião anual da Assembleia Plenária do Conselho das Conferências Episcopais Europeias. O tema era o laicismo e a laicidade, ou, por outras palavras, como é que Deus tem que ver com a nossa vida pessoal e social.

Por laicidade entende-se aquela separação entre Igreja e Estado que tem as suas raízes no Evangelho, quando Jesus diz: “Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. A Igreja, portanto, aceita esta separação e pede apenas para ser livre de agir segundo a sua própria identidade. Pede não só que possa ter espaços para rezar e possibilidade de dar aos seus fiéis uma formação moral, mas também que possa contribuir com a sua presença e com a sua palavra para que a sociedade viva sempre e cada vez mais de acordo com a vontade de Deus. Isto implica a possibilidade de estar presente na vida pública, nos debates políticos, na comunicação social, na educação, na cultura sem ser tratada como uma coisa esquisita ou antiga. Olhando para países como o nosso, podemos dizer que uma sã laicidade também implica que a sociedade em geral e o Estado ou as instâncias internacionais respeitem as raízes cristãs da nossa vida nacional. Dessas raízes brota a nossa identidade com os grandes valores que regem a vida e com um modo de conceber a vida a partir da lógica do amor muito concreta.

Laicismo é uma coisa completamente diferente. É aquela separação entre o religioso e a vida social que quer, de modo activo e militante, afastar qualquer ideia de Deus da vida pública. Trata-se de uma ideologia que parte do pressuposto que Deus não existe, ou que, se existe não tem que ver com a vida real e social, mas apenas com os aspectos privados e subjectivos. O laicismo, por coerência com os seus pressupostos, prevê também uma separação não só entre Deus e a vida humana, mas também entre a vida privada e a vida pública e, consequentemente, entre a razão entendida como a única forma de ter certezas comuns e a fé entendida como um sentimento privado.

Afinal Deus pode ou não relacionar-se com os humanos? Esta é a grande questão que acaba por vir ao de cima quando discutimos estes temas. Os cristãos caracterizam-se exactamente pela certeza de que Deus tem que ver com a vida humana em todas as suas dimensões. Não só criou-nos no início, não só falou-nos para ensinar o que é o bem e o mal, não só promete o Céu depois desta vida, mas está presente aqui e agora e é decisivo porque é Ele que dá gosto à vida e ilumina o caminho. Aliás, a fé cristã não é uma teoria, ou uma doutrina ou uma hipótese, mas o encontro com Jesus Cristo, que está vivo e que salva a vida de todos os fechamentos. Deus, portanto, é Alguém presente e não um ausente no Céu ou uma ideia que não corresponde a nada de real. Percebe-se que quem faz esta experiência na vida concreta da Igreja está certo de que Deus tem que ver com tudo e não pode ficar relegado para a intimidade. O laicismo é, portanto, o grande inimigo da fé cristã – é como um vírus sedutor que pretende evitar os conflitos entre o mundo e a fé mas acaba por destruir o específico da fé, fazendo crer que Deus não tem que ver com a vida e deixando a pessoa entregue a si mesma. Seria estranho alguém dizer que acredita que Deus está consigo só em casa e que não o pode levar para o trabalho, ou para a política, ou para os tempos livres!

A grande questão para os bispos europeus reunidos em Bratislava é, portanto, a sua missão neste mundo secularizado: recebemos de Jesus o mandato de anunciar o amor de Deus e de o mostrar presente no meio de nós, como testemunhar a fé num mundo que parece querer fechar-se a Deus? Uma Igreja escondida - como quer o laicismo - seria uma contradição.

Interessante é verificar que não é só a Igreja que quer ser reconhecida ou que exige o direito a estar presente no debate público. Aquilo que se pôde constatar a partir das experiências pessoais de vários bispos presentes, e que vem ao encontro do que todos vemos com a acção pastoral do Papa Francisco, é que os não crentes, cansados de procurar nas coisas materiais ou nos sonhos um sentido para a vida, começam a bater à porta da Igreja para pedir esperança e quando encontram alguém disposto a conversar e a caminhar também mostram a sua vontade de conhecer melhor Deus.

A Igreja, mostrando-se no testemunho de alegria dos seus fiéis e das suas famílias, e pelas muitas obras de caridade, testemunha que tem em si uma esperança que não se confunde com um sonho. Esta realidade atrai os nossos contemporâneos. O laicismo tem os dias contados, porque, como o comunismo, pressupõe um erro antropológico, julga que o ser humano não se interessa por Deus, ou que a posse das coisas pode garantir uma felicidade. A experiência mostra que não há pessoa humana que não procure, de modo mais ou menos consciente, algo que supere o que ela consegue agarrar ou fazer para dar sentido à sua vida.