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P. Manuel Barbosa, scj
Peregrinos da fé, abertos à esperança

O Ano da Fé acaba a 24 de novembro, na Solenidade de Cristo Rei e em feliz coincidência com o término do Ano C da liturgia, embora este ainda inclua os dias feriais da semana que antecede o Advento.

Gostaria de repescar as últimas palavras do que escrevi há um mês neste espaço de opinião: «Entrámos no último mês do Ano da Fé. Os seus andamentos fizeram-nos crescer como Igreja, como filhos de Deus e irmãos em Cristo? Ou continuamos passivos, assistentes e, quiçá, indiferentes? Não vão faltar celebrações ditas de encerramento e clausura. Oxalá sejam de abertura e recomeço!»

Os dinamismos que bebemos de tantos eventos celebrados ao longo do ano, seja a nível de toda a Igreja, seja a nível das Igrejas locais onde se integram fiéis e comunidades, movimentos e institutos de vida consagrada, associações e obras de vida cristã, exigem que continuemos a assumi-los em atitude de peregrinos. Aliás, foi neste tom que o nosso Bispo nos convidou a viver este período tão importante da Igreja, sinalizado neste último dia com uma peregrinação efetiva ao Santuário de Nossa Senhora dos Remédios, em Peniche.

A peregrinação faz-nos caminhar, recomeçar de novo, olhar em frente, perspetivar, sempre mergulhados na fé enraizada em nós, seja no coração dos nossos seres, seja no coração das comunidades. As recentes propostas que por aí andam têm de ser assumidas em atitude fiducial (fé) e de fidelidade (fiéis). Dou dois exemplos.

Recebemos o questionário (não se trata de inquérito) de preparação para a próxima sessão do Sínodo dos Bispos sobre os desafios da família no contexto da evangelização. No pouco que tenho visto e ouvido do muito que tem aparecido e soado, surpreendem-me alguns descentramentos na receção deste processo, até vindos de gente metida nas andanças eclesiais. Por vezes, fica a impressão que o dinamismo da fé estancou, quando este processo só deveria ser refletido (e rezado) em ambiente de fé, iluminadora de tantas situações ligadas, no caso em questão, à realidade familiar.

Os bispos portugueses ofereceram-nos uma mensagem sobre os desafios éticos do trabalho humano e uma carta pastoral sobre a ideologia do género. Muita gente, e até alguns cristãos, pincelaram estas ofertas em tonalidades de superficialidade e de lateralidade, sem perceberem que só podem ser acolhidas, de forma fiel, crítica e criativa, em atitude de fé. Uma vez mais, uma fé que ilumina, em perspetiva cristã, realidades tão pertinentes e fulcrais para as nossas vidas, situadas de forma profética na sociedade de hoje.

Termina a proposta pastoral do Ano da Fé, mas esta só pode estar sempre em construção, tornando-nos cada vez mais fecundos no amor e abertos à esperança. É um processo de peregrinação sempre a caminho. A propósito, a encíclica Lumen Fidei não deveria ficar nas estantes nem nas gavetas. Nunca é demais a ela regressar para provar novos sabores. Não resisto a citar duas breves passagens, que nos situam neste dinamismo de abertura à esperança. Logo nos inícios (n. 9), Bento XVI recorda-nos de forma densa que «a fé, enquanto memória do futuro, está intimamente ligada com a esperança». E mesmo no final (n. 57), antes de concluir com a referência à grande mulher de fé e de esperança que é Maria, coloca-nos no centro de todos os andamentos peregrinos: «Unida à fé e à caridade, a esperança projeta-nos para um futuro certo, que se coloca numa perspetiva diferente relativamente às propostas ilusórias dos ídolos do mundo, mas que dá novo impulso e nova força à vida de todos os dias. Não deixemos que nos roubem a esperança, nem permitamos que esta seja anulada por soluções e propostas imediatas que nos bloqueiam no caminho».

Como diz São Paulo, a maior de todas as três é a caridade, a tal que nunca acaba. Na sequência, enquanto centrados no amor de Deus derramado nos nossos corações pelo seu Espírito, somos peregrinos da fé que nos impele a caminhar na esperança.