‘Evangelii Gaudium’ |
‘Evangelii gaudium’ (nº 84 a 92) – Capítulo II
Não ao pessimismo estéril
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Continuando o seu percurso nesta exortação e focando o que designa por “tentações dos agentes pastorais”, o Papa Francisco, inspirado no Evangelho de São João (Jo 16,22) afirma: “A alegria do Evangelho é tal que nada e ninguém no-la poderá tirar”. Uma afirmação que serve para justificar o facto de muitas vezes se perder o ânimo no apostolado que se desenvolve atribuindo-o a causas exteriores. “Os males do nosso mundo – e os da Igreja – não deveriam servir como desculpa para reduzir a nossa entrega e o nosso ardor. Vejamo-los como desafios para crescer”, observa Francisco. Neste sentido, acrescenta: “Cinquenta anos depois do Concílio Vaticano II, apesar de nos entristecerem as misérias do nosso tempo e estarmos longe de optimismos ingénuos, um maior realismo não deve significar menor confiança no Espírito nem menor generosidade”.

Assim, salienta o Papa, “uma das tentações mais sérias que sufoca o fervor e a ousadia é a sensação de derrota que nos transforma em pessimistas lamurientos e desencantados com cara de vinagre”. Apelando a uma atitude de maior confiança, Francisco observa: “Ninguém pode empreender uma luta, se de antemão não está plenamente confiado no triunfo”. “Embora com a dolorosa consciência das próprias fraquezas, há que seguir em frente”, sublinha o Santo Padre, recordando que o triunfo cristão é sempre uma cruz “que se empunha com ternura batalhadora contra as investidas do mal”.

 

Sociedades sem Deus?

Outra dificuldade verifica-se em sociedades que se querem construir sem Deus ou que destroem as suas raízes cristãs. Aí, denuncia Francisco, produz-se uma “desertificação espiritual” e o mundo cristão “está a tornar-se estéril”. Para além disso, há, ainda, outros países onde a resistência ao Cristianismo “obriga os cristãos a viverem a sua fé às escondidas, no país que amam”. “Esta é outra forma muito triste de deserto”, lamenta. No entanto, é diante destes desafios, sobretudo a partir da experiência deste deserto, deste vazio, “que podemos redescobrir a alegria de crer”, salienta o Papa Francisco. Porque, “no deserto, é possível redescobrir o valor daquilo que é essencial para a vida”, e no deserto existe “sobretudo a necessidade de pessoas de fé que, com as suas próprias vidas, indiquem o caminho para a Terra Prometida, mantendo assim viva a esperança”, refere Francisco, citando o Papa Emérito Bento XVI, durante a homilia da Missa de abertura do Ano da Fé. Por isso, em todo o caso, conclui o Papa argentino, “lá somos chamados a ser pessoas-cântaro para dar de beber aos outros”.

 

Novas oportunidades de encontro

Outra preocupação manifestada por Francisco e que se transforma em desafio para a Igreja consiste no “descobrir e transmitir a ‘mística’ de viver juntos”, sobretudo numa época em que “as redes e demais instrumentos da comunicação humana alcançaram progressos inauditos”. Neste sentido, é preciso “misturarmo-nos, encontrarmo-nos, darmos o braço, apoiarmo-nos”, porque, observa o Papa, “assim, as maiores possibilidade de comunicação  traduzir-se-ão em novas oportunidades de encontro e solidariedade entre todos”. “Como seria bom, salutar, libertador, esperançoso, se pudéssemos trilhar este caminho! Sair de si mesmo para se unir aos outros faz bem. Fechar-se em si mesmo é provar o veneno amargo do imanentíssimo, e a humanidade perderá com cada opção egoísta que fizermos”, sublinha.

Concretizando, o Papa Francisco salienta que o ideal cristão convidará sempre a uma atitude diferente, sobretudo de confiança. No entanto, a tentação pode ser, por vezes, a do isolamento, o fechar-se na sua privacidade, para “escapar-se dos outros”, o não ser capaz de aceitar ou reconhecer “o realismo da dimensão social do Evangelho”, renunciando a esta. Para “muitos”, esta não é apenas uma tentação mas algo que realmente acontece. Segundo o Papa Francisco, “assim como alguns quiseram um Cristo puramente espiritual, sem carne nem cruz, também se pretendem relações interpessoais mediadas apenas por sofisticados aparatos, por ecrãs e sistemas que se podem acender e apagar à vontade”. Entretanto, acentua o Sucessor de Pedro, em contraste com estas realidades dos tempos de hoje, “o Evangelho convida-nos sempre a abraçar o risco do encontro com o rosto do outro, com a sua presença física que interpela, com os seus sofrimentos e as suas reivindicações, com a sua alegria contagiosa permanecendo lado a lado”.

 

Como responder à sede de Deus?

Se por um lado o isolamento se pode exprimir “numa falsa autonomia que exclui Deus”, Francisco alerta para o facto de este poder encontrar na religião “uma forma de consumismo espiritual à medida do próprio individualismo doentio”. Isto pode, de alguma forma, demonstrar uma procura da dimensão espiritual, ou “um regresso ao sagrado”, pelo que, diante deste “fenómeno”, coloca-se o desafio à Igreja de “responder adequadamente à sede de Deus de muitas pessoas”, para que não se desviem para outras “propostas alienantes” ou com “um Jesus Cristo desencarnado e sem compromisso com o outro”.

Neste âmbito, o Papa jesuíta recorda que “as formas próprias da religiosidade popular são encarnadas, porque brotaram da encarnação da fé cristã numa cultura popular. Por isso mesmo, incluem uma relação pessoal, não com energias harmonizadoras, mas com Deus, Jesus Cristo, Maria, um Santo”. Já noutros sectores da nossa sociedade, constata Francisco, “cresce o apreço por várias formas de ‘espiritualidade do bem-estar’ sem comunidade”. Daí que o desafio se coloque, também, “no mostrar que a solução nunca consistirá em escapar de uma relação pessoal e comprometida com Deus, que ao mesmo tempo nos comprometa com os outros”, frisa. E salienta ainda: “Faz falta ajudar a reconhecer que o único caminho é aprender a encontrar os demais com a atitude adequada, que é valorizá-los e aceitá-los como companheiros de estrada, sem resistências interiores”, ou seja, “aprender a descobrir Jesus no rosto dos outros”, e “aprender também a sofrer, num abraço com Jesus crucificado, quando recebemos agressões injustas ou ingratidões”. Por isso, conclui o Papa Francisco, a verdadeira cura está “no modo de nos relacionarmos com os outros”. “Precisamente nesta época, os discípulos do Senhor são chamados a viver como comunidade que seja sal da terra e luz do mundo. São chamados a testemunhar, de forma sempre nova, uma presença evangelizadora. Não deixemos que nos roubem a comunidade!”, alerta.

texto por Nuno Rosário Fernandes
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