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Ajuda de Berço
“Ficamos com os bebés que ninguém quer”
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A celebrar 16 anos de existência, a Ajuda de Berço é a instituição à qual será entregue este ano a Renúncia Quaresmal da Diocese de Lisboa. Um projeto que nasceu em 1998 e por onde já passaram 307 crianças. “Aquelas que ninguém quer”, resume Sandra Anastácio, diretora do projeto.

 

Em 1998, após Portugal ter referendado o ‘Não’ à criminalização do aborto, os fundadores da Ajuda de Berço quiseram defender a vida respondendo com uma alternativa para quem iria ter bebés que não queria ou não podia manter. O objetivo da instituição é muito simples: acolher bebés, entre os 0 e os 3 anos, que não tenham “colo das famílias”. E encontrar-lhes um projeto de vida, seja ele o regresso às famílias biológicas – com quem trabalham, simultaneamente – ou encontrando-lhes uma família adotiva que aprenda a amá-los. Porque “aprende-se a amar um filho”, garante Sandra Anastácio, com os olhos brilhantes e o sorriso aberto de quem já testemunhou muito amor aprendido ao longo dos últimos 16 anos. “Nem toda a gente ama o filho que tem, mas é possível ensinar as pessoas a amar um filho. Isto não é inato. As pessoas pensam que é. Mas amar um filho não é inato”.

 

Um novo desafio

Das mais de 300 crianças que já foram acolhidas pela instituição – atualmente com duas casas a funcionar, ambas com capacidade para 20 crianças –, 207 já encontraram o seu ‘projeto de vida’. Aquelas que, por algum motivo, não voltaram para as famílias ou não encontraram quem as acolhesse, foram encaminhadas para instituições adequadas à sua idade ou às suas limitações de saúde. Mas Sandra Anastácio quer fazer mais. Sobretudo pelas crianças que “não têm uma esperança de vida longa. Ou que têm limitações graves em termos de saúde”. Sandra – e toda a equipa – não as quer mandar embora, porque aprendeu a amá-las, como a todas que por lá passaram. E surgiu um novo desafio: criar uma Unidade de Cuidados Continuados, que poderá acolher 16 crianças, que serão acompanhadas por um corpo clínico e ter todos os cuidados do corpo e da alma de que precisam.

Desde o início, a Ajuda de Berço propôs-se “a ficar com os bebés que ninguém quisesse”. “Por razões emocionais ou sociais, mas também por motivos de saúde. Motivos esses que limitam a sua entrada ou a sua admissão em algumas instituições que já existem, porque são bebés que não é possível trabalhar do ponto de vista jurídico, uma vez que não são adotáveis, não têm família e acabam por ficar nos hospitais muito tempo porque têm uma doença crónica, grave e precisam de cuidados. Ou que têm uma esperança de vida muito curta e acabam por falecer tempos depois”, nota.

“Nós estamos aqui para uma missão”, continua a diretora. “Olhando para esta necessidade que nós não procurámos, e sendo coerentes com o que dizemos ao longo de 16 anos, de ‘ficar com os bebés que ninguém quer’, começamos a olhar para estes bebés doentes como um caminho. E começámos a recebê-los, mesmo sem uma casa específica para eles. O problema é que, devido às patologias de alguns bebés, é difícil ficar com eles: exigem recursos, de casa, de equipamentos, de equipas médicas. Estamos sempre numa aflição para conseguir dar resposta”, remata.

 

“O valor da vida humana é um valor supremo”

O novo projeto da Unidade de Cuidados Continuados surge cerca de quatro anos depois de a ‘Ajuda de Berço’ ter estado prestes a fechar portas. Com um orçamento anual de um milhão de euros, a instituição lançou um alerta público, pediu aos meios de comunicação social que lhe desse voz e conseguiu reunir o dinheiro suficiente “para atravessar os últimos quatro anos com alguma estabilidade”. Então, porque atacar mais um desafio quando só agora conseguiram alguma estabilidade? “Acreditamos que o valor da vida humana é um valor supremo. E acreditamos que há bebés que para viver a vida, enquanto estão connosco, precisam de dignidade. Precisam igualmente de ser amadas. Porque perderam a sua família biológica, porque não há nenhuma família de coração que as consiga assumir porque os cuidados são muito específicos e muito caros. E é muito difícil ver uma criança sofrer”, resume Sandra Anastácio, de voz embargada. “E para a Ajuda de Berço, que tem este forte apelo pela vida humana, não é só para os bebés que precisam de nascer, mas também para aqueles que precisam de morrer com dignidade”. E continua, assumindo que “são palavras muito difíceis de dizer, estas. Mas vai haver também bebés que não têm uma esperança de vida curta, e que até vão viver muitos anos. E esses estão também contemplados nesta casa. Nós vamos lutar por eles para que também arranjem uma família”.

O projeto está avaliado em um milhão e meio de euros, para a construção do edifício e todo o equipamento necessário. O terreno foi, mais uma vez, cedido pela Câmara Municipal de Lisboa, e portanto a nova Unidade de Cuidados Continuados da Ajuda de Berço nascerá em Benfica, perto da igreja de Nossa Senhora do Amparo. Ainda não se sabe quando, mas a diretora da instituição diz-se otimista. “Aquilo que nos move é este amor por Jesus. Acreditamos que dando a vida pelo próximo estamos a fazer aquilo que Deus nos pede”.

 

Uma prova de amor muito grande

Esta é a segunda vez que a Ajuda de Berço recebe a Renúncia Quaresmal da Diocese de Lisboa. Da primeira vez, o projeto nasceu: “D. José Policarpo [por via da Renúncia Quaresmal] deu-nos o dinheiro para criar a Ajuda de Berço. Dinheiro que não usámos para construir – porque entretanto a Câmara Municipal de Lisboa ofereceu-nos as instalações –, mas que usámos para, porque ainda não tínhamos protocolo com a Segurança Social, sobreviver nos primeiros dois anos. Foi uma coisa extraordinária que pensámos que nunca mais se viria a repetir, e nem teríamos ‘lata’ de nos voltarmos a dirigir ao Senhor Patriarca”, confessa, entre sorrisos. Passou mais de uma década, as necessidades sociais não diminuíram, e a vergonha desapareceu pela necessidade.

No início de 2013, quando esta Unidade começou a ganhar forma nas cabeças de quem dirige a instituição, os fundadores conversaram entre si e decidiram “fazer um apelo à CML”, para que “cedesse um terreno”. “Foi então decidido apresentar o projeto ao Senhor Patriarca – na altura ainda D. José [Policarpo]”, conta Sandra. “A CML foi recetiva ao nosso projeto. Entregou-nos um terreno na zona de Benfica e D. José deu-nos a sua bênção e disse que achava que era um projeto que fazia todo o sentido. Passado um tempo, D. José renuncia e fomos apresentar o projeto a D. Manuel Clemente, que conhece a obra da Ajuda de Berço”, conta Sandra Anastácio, que começa a sorrir, enquanto revela: “Nós, com falta de vergonha na cara, pedimos a D. Manuel se a próxima Renúncia Quaresmal podia ser para a Ajuda de Berço”. Depois de levar o pedido para avaliação e de o apresentar ao Conselho Presbiteral, D. Manuel Clemente “surpreendeu” a instituição “com este sim”. Mais um sinal que veio intensificar a certeza de toda a equipa de que estão no caminho certo. “Ao fim de 16 anos, conseguir novamente o apoio dos nossos irmãos, que caminham ao nosso lado, é uma prova de amor muito grande. E de confiança. E isto significa que estamos a ser Igreja. Mais importante do que o resultado final – que é dinheiro e que vai ser importante –, é saber que os nossos irmãos estão connosco. Que o projeto tem a bênção da Igreja”.

 

Sentimento de gratidão

A Ajuda de Berço é uma Instituição Particular de Solidariedade Social que foi criada e é gerida por pessoas católicas, praticantes. No entanto, a diretora alerta para o facto que a Ajuda de Berço é para quem precisa. Aliás, lembra, em jeito de curiosidade, que “a Swatch ofereceu a segunda casa – em 2002, devido à campanha ‘Fraldinhas’ – e o responsável pela marca, em Portugal, é judeu”. Salienta, porém, que este responsável vai à instituição “quando há cerimónias religiosas”, como nas celebrações de aniversário da instituição, por exemplo. E brinca, afirmando que “os católicos não são bichos raros. São pessoas normais”.

Por tudo isto, por todos estes sinais e pelo tanto que ainda acredita que virá, Sandra Anastácio quer deixar apenas uma mensagem à Igreja que, sabe, vai fazer a diferença nesta nova etapa da Ajuda de Berço. Quando lhe pedimos que deixe uma mensagem a todos os que a vão ler, o rosto fecha-se, as mãos apertam-se e diz só querer “agradecer”. “É um sentimento de gratidão. Para a Igreja, que confia no trabalho da Ajuda de Berço. Que a Ajuda de Berço consiga ser testemunha e as pessoas que vão renunciar em nome do trabalho que nós fazemos, tenham a certeza absoluta que vamos dar a nossa vida e trabalhar com verdade e com amor por estas crianças”.

 

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Nascimento da Ajuda de Berço

A Ajuda de Berço nasceu na ‘Casa de Ceuta’, em Alcântara, em 1998, num edifício doado pela CML e com o dinheiro angariado na Renúncia Quaresmal desse ano. A casa tem capacidade para 20 crianças. Em 2002, a Swatch decide que as receitas da campanha ‘Fraldinhas’ revertem a favor da instituição e oferece à Ajuda de Berço a ‘Casa de Monsanto’. Abriram-se vagas para mais 20 crianças.


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Como ajudar?

As casas da Ajuda de Berço estão sempre com lotação esgotada. A equipa é composta por 63 funcionários e 60 voluntários, que fazem a instituição funcionar sete dias por semana, 24 horas por dia. O orçamento anual [necessário] da instituição é de um milhão de euros. Para além de dinheiro, a Ajuda de Berço recebe tudo o que as pessoas puderem oferecer, com especial apreço por carne, peixe, frutas, fraldas e demais bens essenciais de consumo rápido. A lista das necessidades da instituição, atualizada mensalmente, pode ser consultada em www.ajudadeberco.pt.

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