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Pedro Vaz Patto
A O.N.U. contra a Igreja?
Tem sido muito comentado o relatório do comité das Nações Unidas para os direitos das crianças que contem fortes críticas à Santa Sé a respeito da forma como a Igreja católica lidou com o problema dos abusos sexuais sobre crianças e adolescentes praticados por sacerdotes.

Quando me preparava para comentar esse relatório, por acaso (ou talvez não), tive ocasião de ouvir falar da ação de uma congregação religiosa católica dedicada ao ensino no Paraguai, num contexto de pobreza extrema para nós inimaginável. «Quem critica a Igreja, deveria conhecer o que ela faz na América Latina» - dizia-me a pessoa que tinha conhecimento direto dessa ação. E o mesmo poderíamos dizer do que faz em África e noutros locais. A Igreja católica chega a muitos ambientes onde não chegam os Estados ou as organizações internacionais. E a sua ação é, em grande medida, desempenhada por quem, literalmente, dá a vida gratuitamente pelos mais pobres, não por funcionários bem pagos (sem que isso anule o mérito do trabalho destes), como são os das Nações Unidas. Que instituição ou organismo fará tanto pelos direitos das crianças em todo o mundo?  

Nada disto retira ou compensa a gravidade dos abusos sexuais sobre crianças praticados por sacerdotes (pelo contrário), mas estes são factos que não devem ser esquecidos.

O relatório em questão é merecedor de críticas não tanto por salientar a gravidade desses crimes e a forma como em muitos lugares se lidou com eles no passado. É criticável por ignorar a mudança ocorrida nos últimos anos, o que se está a fazer para evitar que tais factos se repitam, se colabore com as autoridades civis e se protejam as vítimas. As diretivas que têm sido dadas nesse sentido no âmbito da Igreja católica até poderiam servir de modelo para outras organizações. Todos estes factos foram ignorados pelo relatório, apesar de a Santa Sé sobre eles ter informado o comité  em pormenor. Houve quem dissesse que parecia que o relatório já estava elaborado antes de a Santa Sé ter apresentado a sua versão dos factos.

Além disso, o relatório revela um desconhecimento profundo do direito canónico (o direito da Igreja), da sua função e da sua especificidade em relação ao direito civil (o direito dos Estados), tal como da estrutura e organização da Igreja e da sua especificidade em relação aos Estados.

Mas o que nele é mais criticável é a sua pretensão de que a Igreja altere a sua doutrina quanto a matérias como o aborto e a ética sexual. A que propósito? – perguntar-se-á. Parece que o problema dos abusos sexuais serviu apenas de pretexto para condenar a doutrina da Igreja nesse âmbito, ao serviço de uma agenda ideológica. O que contraria princípios fundamentais de liberdade religiosa. Como se as Nações Unidas fossem um super-Estado totalitário que dita às comunidades religiosas a fé que estas devem professar e as normas morais que devem orientar o comportamento dos seus fiéis.

De ano para ano cresce o número de Estados com relações diplomáticas com a Santa Sé, o que faz desta um dos sujeitos de direito internacional com maior número dessas relações. Nessa ação diplomática também se insere a participação nas Nações Unidas. Tentativas de pôr termo à participação da Santa Sé na O.N.U. têm sido recusadas pela esmagadora maioria dos Estados membros (muitos dos quais com relações diplomáticas com ela)

O papel das Nações Unidas na construção da paz tem sido enaltecido pelos sucessivos Papas. Num célebre discurso, João Paulo II falou a seu respeito em “família de nações”. 

Apesar disso, no caso deste relatório como noutros casos, nota-se na ação de várias comissões da O.N.U. a forte influência de lóbis empenhados na concretização de uma agenda ideológica contra a vida e a família, no que enfrentam a Igreja católica como um dos mais firmes obstáculos.

Importa denunciar essa influência, porque, por um lado, não se sabe de onde vem a representatividade e legitimidade desses grupos, e porque, por outro lado, dessa forma se desvirtua o papel das Nações Unidas na construção da paz, para a qual nasceram. Um papel que deve congregar o número mais alargado possível de Estados e instituições. E para o qual a Igreja católica quer dar o seu importante contributo.