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Irmã Maria Domingos, uma das quatro Monjas Dominicanas do Mosteiro de Santa Maria no Lumiar: ?Investir a vida de sentido?
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Um mosteiro na cidade parece uma ilha. Na busca de silêncio e de sagrado, muitos batem àquele portão que, neste dia, estava aberto devido a trabalhos na quinta. Em conversa com a irmã Maria Domingos, uma das quatro Monjas Dominicanas do Mosteiro de Santa Maria no Lumiar, em Lisboa, desvela-se o sentido de uma vida em que Deus é o centro. E onde a vida ganha profundidade.

O que é um mosteiro, aqui, no meio da cidade?

Quando se fala de monjas e de monges fala-se de alguém que parece estar fora do mundo. Se estamos, de certo modo, num espaço protegido, diferente, é para dizer aos outros que as coisas têm que ser investidas de um sentido profundo e é para isso que nós estamos aqui. Fazemos tudo o que todas as outras pessoas fazem. Os gestos que Jesus fez eram os mesmos de todos: comer, dormir, trabalhar. Às vezes perguntamos: porque é que Ele fazia banquetes? Porque é que gostava de comer e dormir? Porque isso é a vida humana investida de um sentido profundo. Se falta esse sentido fica tudo a um nível primário. E é isso que falta no testemunho de vida religiosa. Muitas pessoas dizem: “as irmãs estão lá para rezar!” É uma espécie de “algo” que não é deste mundo. Isso não tem interesse: uns grupos de pessoas para fazerem “olhinhos” a Deus!

 

O vosso testemunho é ajudar a dar sentido à vida?

Um testemunho de uma vida de busca de sentido em que não se vive unicamente ao nível primário. Isso não chega para a vida humana. A vida do homem completa-se no mais além que lhe dá sentido. Se ficamos no imediato chegamos ao cansaço e à depressão, à doença mental. Vivemos mal, no vazio, que não é vida verdadeira. É preciso acordar para investir nas coisas mais simples da vida; investi-las de uma carga de interesse e de profundidade, de sentido. É na fé que vivemos isto. Se partimos de que não temos em nós o centro da nossa vida, de que o centro da nossa vida é Deus, o quer que seja que façamos na nossa actividade humana tudo fica investido de um peso de vida, de verdade, de sentido que faz a diferença.

 

O que pode dizer um mosteiro às pessoas no seu afã quotidiano, no correr para o trabalho, na vida em que não há tempo para nada…

O problema é que andamos a correr de um lado para o outro e pensamos que os momentos que realmente aproveitam são os momentos em que vamos à igreja e ficamos lá a rezar. São os 99,9% da vida que parece que não têm sentido nenhum, que passam a correr, em que fazemos uma coisa e já estamos a pensar noutra, que precisam de sentido. Um mosteiro no meio da cidade tem que interpelar as pessoas com esse testemunho: gente que faz o que as pessoas fazem: comem dormem, trabalham, rezam, preocupam-se e enchem de sentido tudo isso.

 

Levar esse sentido de vida para o quotidiano seria como fazer o mosteiro em nossas casas…

É exactamente isso: fazer o mosteiro nas vossas casas Há uma dimensão de vida cristã que é essa dimensão de fé contemplativa. O que é ter fé? É aceitar que para além de nós há algo que é o indizível. O que nós dizemos, o que nós sabemos, o que nós percebemos, o que nós raciocinamos tudo isso está ao nosso nível humano. Mas depois o que é ter fé. É movermo-nos para uma acção, para uma existência onde habita o indizível, aquilo que realmente dá sentido a tudo o que dizemos e fazemos. É isso viver na fé.

 

De que é que vivem as irmãs no mosteiro?

Nós fazemos voto de pobreza antes de mais nada. De que é que vive um pobre? É do trabalho e da vida simples. Se há algo mais, não nos pertence, partilhamos. Isto é vida cristã é isto que temos de propor a qualquer vizinho nosso. Se tivermos muito, temos de partilhá-lo; o supérfluo não nos pertence. Trabalhamos para comer. Não temos assalariados. Vivemos simplesmente mas vivemos do trabalho das nossas mãos. Fazemos a nossa cozinha, as limpezas, o jardim, acolhemos, procuramos vender algumas coisas feitas por nós. Muitos dizem que estamos aqui para rezar, mas rezar e interceder pelos pecadores é algo que todos nós temos de fazer e cada um tem de fazer por si.

 

O portão estava aberto… como se concretiza a vossa relação com os vizinhos e com a cidade?

O portão está aberto muitas vezes, sempre que é preciso. Normalmente está fechado mas há uma campainha. Faz parte da nossa vontade de vida aqui os passos que damos para abrir a porta, para acolher as pessoas, venham elas para o que venham. Não temos telemóveis mas só desligamos o telefone na altura da Eucaristia e dos ofícios.

 

Reflectir e propor reflexão é também um dos vossos objectivos…

Procuramos partilhar, como dominicanas, um certo pensamento que nos informa a nossa orientação espiritual, a nossa preocupação pela cidade e pelas pessoas. Não somos alheias àquilo que se faz na linha da evangelização. Também somos críticas quanto aos modos como deveria ser feita a evangelização. Tivemos o cuidado organizar o ciclo de conferências deste ano, que fazemos já há mais de 20 anos, no 2º sábado de cada mês, sob o tema “Testemunhar”. Ainda está a decorrer, só falta o padre Tolentino testemunhar “o bom humor de Deus” no dia 23 de Maio. A última conferência, da Isabel Allegro de Magalhães sobre “Testemunhar a liberdade”, foi muito importante. Testemunhar nem sempre é falar, é algo que vem de uma vivência de uma convicção profunda de vida que interiorizamos e comunicamos. É através disso que se testemunha. Falou-nos na “vertical do lugar”. Em todas as situações há possibilidade de investir a nossa vida de um profundo sentido. Tudo o que somos e fazemos pode estar investido de sentido se está integrado na busca do mistério de Deus. Porque o mistério de Deus tem que nos habitar em toda a nossa vida, na dor, na alegria, na dúvida.

 

Como vê o futuro da vida da vida religiosa e monástica perante a escassez de vocações?

Com uma grande perplexidade. Vejo que na Igreja o que está a acontecer é uma espécie de restauracionismo. Continua-se a pensar que está tudo muito bem e que é assim que deve ser. Na Europa não vocações. Várias comunidades na Europa tornam-se internacionais, com irmãs da América Latina e de África onde ainda há vocações. Esta foi uma comunidade saída do pós-Concílio. Nasceu para ser uma comunidade visível, no seguimento de Cristo, de vida simples, testemunho evangélico, sem as estruturas de clausura da Idade Média, de uma vida completamente escondida, com aquela ideia dos “pára-raios” da humanidade. Hoje a tendência é para a grande observância, voltar a repor tudo isso. Em Espanha, o que se está a fazer é fechar comunidades para juntar as irmãs e continuar a reproduzir o mesmo estilo de vida. Isto traz-me perplexidade.

 

O estatuto da mulher também mudou imenso…

É ser cego para não querer ver! E mesmo a relação de obediência. Hoje não entendemos da mesma maneira. Temos que promover seres livres, que pensam por si, a quem é dada a possibilidade de crescer autonomamente, não à sombra de uma regra que é imposta. Claro que quando entramos conhecemos a regra, mas isso não quer dizer que todos os nossos passos sejam pautados pela obediência como é apresentada em algumas comunidades ainda hoje em dia. Em que a superiora tem um ascendente sobre as irmãs que faz delas “crianças”, sobretudo se entraram muito novas para a vida religiosa.

 

Uma vocação monástica, neste mundo que privilegia o “fazer”, parece uma “perda de tempo”...

Mas se a vida monástica manifestar essa busca de sentido e esse investir de sentido as coisas da vida humana penso que é um testemunho muito válido ainda hoje. Foi o que os padres do deserto fizeram: disseram ao povo de Deus para procurar ir mais além, para investirem a vida do sentido que lhe dá a vivência e a busca do mistério de Deus. Não é tanto explicar quem é Deus, ou saber quem é Deus, é realmente meter na vida uma presença que só se encontra se a vivermos na busca daquele que lhe dá sentido.

 

 

Monjas Dominicanas do Mosteiro do Lumiar

Para descobrir mais informações acerca destas religiosas, tem disponível o site das Monjas Dominicanas do Mosteiro do Lumiar. Em www.monjasoplisboa.com é possível fazer uma viagem pelas origens das Monjas na Ordem Dominicana, conhecer a restauração da Ordem em Portugal e saber um pouco mais do dia-a-dia da comunidade. Através deste instrumento de comunicação, é também possível fazer uma visita pelo Mosteiro.

“Desejamos que nestes espaços possa "encontrar" o Invisível, o essencial para que eles apontam”, é o desejo das irmãs, expresso na página inicial do site.

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