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Guilherme d'Oliveira Martins
Recordar dois grandes exemplos
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A canonização dos Papas João XXIII e João Paulo II corresponde ao reconhecimento de dois testemunhos significativamente ricos e diferentes. Houve quem procurasse fazer comparações, mas a verdade é que as épocas e as personalidades são bem distintas. O certo é que os dois pontífices não deixam indiferentes cristãos e não cristãos. Ambos nos legaram uma herança marcante, que continuará a ter efeitos por muito tempo. João XXIII sucedeu a Pio XII, em 1958, num momento em que todos esperavam que o Cardeal Roncalli, Arcebispo de Veneza e antigo Núncio Apostólico no leste da Europa e em França, fosse uma personalidade de transição, à espera que viesse um Papa mais jovem e renovador. Inesperadamente, e fazendo jus a um percurso de homem com os pés assentes na terra e de atenção desperta, o novo Papa optou por abrir de par em par as janelas da Igreja Católica, consciente de que não era na Europa que as forças de renovação se manifestariam. A Grande Guerra enfraquecera o velho continente e os outros continentes ganhavam um peso e uma influência crescentes. E se alguns ainda dizem que o Papa abriu com imprudência uma caixa de Pandora, a verdade é que foi muito evidente o sentido profético da convocação do Concílio Ecuménico Vaticano II. Não se tratava de continuar o velho Concílio Vaticano I, mas de abrir com coragem, e sem receios, um novo capítulo na história da Igreja Católica. Hoje sabemos que o Papa João XXIII conhecia bem os riscos que corria e desejou alterar o centro de gravidade da Barca de Cristo, abrindo horizontes e compreendendo os novos ventos da história. Se dúvidas houvesse, bastaria lermos a luminosa Encíclica «Pacem in Terris», publicada pouco tempo antes da morte do Sumo Pontífice. É impressionante como esse texto mantém a sua atualidade e a sua força. O mundo contemporâneo tem de dar atenção a essa proposta audaciosa de renovação e de reorganização da sociedade internacional. E tudo fica mais claro se nos lembrarmos de que tal encíclica tornou inexorável a aprovação da Constituição Pastoral «Gaudium et Spes» (levando a que as resistências ao esquema conciliar XVII tenham dado lugar a um novo esquema XIII), permitindo a compreensão da importância dos «sinais dos tempos» e uma singularíssima articulação com a Constituição Dogmática «Lumen Gentium», com o seu entendimento dinâmico sobre a importância decisiva do «Povo de Deus» - a partir da eminente dignidade da pessoa humana. Hoje, ao relermos «Pacem in Terris», percebemos que estamos perante uma proposta atualíssima, que merece ser aprofundada, em nome da cultura de paz e da liberdade. Os sinais dos tempos são, afinal, marcas da atualidade na vida quotidiana e desafios no sentido de uma melhor humanidade, com mais justiça para todos, reveladora da perenidade da afirmação de Cristo como Caminho, Verdade e Vida.
João Paulo II assumiu o pontificado numa circunstância que muitos consideravam de incerteza máxima. Os acontecimentos históricos sofreram uma inesperada aceleração. Um Papa jovem, vindo da «Igreja do Silêncio» (como Morris West antecipara no plano da invenção narrativa em «As Sandálias do Pescador»), também abriria, a seu modo, as janelas da Igreja, tornando-se um Pastor peregrino, e usufruindo de um extraordinário carisma humano. A sua biografia revelava-nos um animador social, um desportista e um homem de teatro, vindo da Polónia – e o certo é que, como no caso de João XXIII, suscitou interesse e entusiasmo dentro e fora da Igreja. Essa a sua singularidade e a sua força fundamentais. Se o Cardeal Roncalli abriu a Igreja à globalização, o Cardeal Woytila pôs-se a caminho, indo ao encontro das pessoas e do mundo. De 1978 a 1989 abriram-se as condições para que a história se alterasse radicalmente. E recordamos os prisioneiros de consciência na Polónia no início desses anos. Depois, houve a abertura gradual, a criação do Solidariedade, a libertação de quem estava privado dos direitos fundamentais, até à queda do Muro de Berlim… A verdade é que tudo isso representou uma notável sucessão de pequenos passos. Indiscutivelmente, João Paulo II teve um papel essencial de exemplo e de artífice de um novo tempo. Para já, podemos dizer que João XXIII e João Paulo II são marcas indeléveis do humanismo cristão do século XX. E a história dirá muito mais no futuro.» Celebrar S. Tomás de Aquino.
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