Entrevistas |
Monsenhor Vítor Feytor Pinto, autor do livro ‘Sexualidade Humana’
“Há valores que não podem ser esquecidos”
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Monsenhor Vítor Feytor Pinto considera que a sexualidade humana é um tema que continua a ter um carácter de novidade na Igreja. Em entrevista ao Jornal VOZ DA VERDADE, por ocasião da sua mais recente publicação, ‘Sexualidade Humana – Exigências éticas e comportamentos saudáveis’, este sacerdote salienta que esta obra nasceu de uma necessidade pastoral e aponta que a Igreja deve “evangelizar dando a conhecer a todos a beleza da sexualidade humana”.

 

Falar de sexualidade humana na Igreja é uma novidade para os dias de hoje?

É fundamental a Igreja trabalhar este tema. E de toda a forma, não só com conselhos, casos pontuais, mas vendo eticamente o problema para depois podermos, em toda a realidade da nossa sexualidade e afetividade humana, estarmos bem empenhados em cumprir o projeto de Deus.

A sexualidade é um dinamismo que atinge a vida toda do homem, desde a conceção até à morte. Recordemos o ponto 37 da Exortação Apostólica ‘Familiaris Consortio’: “A sexualidade, de facto, é uma riqueza de toda a pessoa – corpo, sentimento e alma – e manifesta o seu significado íntimo ao levar a pessoa ao dom de si no amor”. O Papa João Paulo II não teve medo de fazer a abordagem a esta temática nos primeiros anos do seu pontificado, através das catequeses sobre a Teologia do Corpo, abrindo uma porta extraordinária que entretanto se fechou... Achei, portanto, que havia uma grande necessidade de a Igreja refletir, pensar, para depois ajudar as pessoas a terem uma visão global da sexualidade.

 

É então um assunto para chegar a todos...

Este assunto é para todos e em todas as idades, desde a conceção até à morte. Trata-se de um dinamismo vital. É aquilo que leva à relação. A sexualidade e a afetividade são globais e atingem todo o ser. É todo o mistério da corporeidade e dos valores espirituais que se cruzam num projeto de vida. Por isso, considero que este tema tem que ser estudado até à exaustão na Igreja, através das escolas, dos seminários ou na catequese.

 

A sexualidade que é mostrada na sociedade pode ofuscar a beleza da sexualidade humana a que se refere no livro?

Na sociedade, nós estamos com dois extremos e na sua evolução, quando se cultivou a liberdade radical, saltou-se de um extremo para o outro. Durante séculos, a Igreja teve um certo tabu sobre este assunto. Costumo referir que nos meus estudos de Ética Moral, no seminário, tínhamos quatro livros de ética. Três eram grandes e extraordinários... esses tínhamos que estudar. Havia também um outro, com 100 páginas, que tratava da sexualidade. O reitor, que era igualmente o professor de Teologia Moral, falou deste livro nos últimos oito dias de aulas, antes de terminarmos o curso e disse: “Fiquem descansados porque isto não vem para exame!”. Vivemos muito tempo com este tabu.

Depois abriu-se a porta a uma liberdade sem fronteiras, isto é, uma liberdade que destrói a dignidade humana. Um certo uso da sexualidade torna-se abuso, agressivo e destruidor da liberdade. Cito, muitas vezes, uma frase muito bonita dos revolucionários do Maio de 68: “Uma única coisa é proibida: amar sem amor”. Ou seja, não é permitida uma atividade de natureza sexual se não houver uma relação afetiva, profunda, que compromete. Isto contrapõe com aquilo que descrevo no livro como «sexo anárquico». As pessoas se não são informadas caem naquilo que toda a gente faz. O mau uso da sexualidade é hoje uma coisa completamente normal. Como é que se iniciam as crianças, os adolescentes e os jovens nesta realidade tão bela da sua própria vida? Em meu entender, pela proibição ou pelo silêncio. Tem que se dar outra dimensão às coisas. Tenho obrigação de assumir a minha sexualidade, investir em toda a minha atividade humana e depois, consoante o meu projeto de vida, na linha da fecundidade, saber viver o mistério maravilhoso da sexualidade humana.

 

A Igreja deve ser o verdadeiro apoio desta sociedade, preservando o dom da vida?

Sim. O Papa João XXIII disse que “quando se fala de sexualidade, há valores que não podem, de forma nenhuma, ser esquecidos”. Ele mesmo refere no nº 35 da Carta Enciclica ‘Pacem in Terris’, que os grandes pilares da paz são a “verdade, a justiça, a liberdade e o amor”. A verdade… há tanto dito amor que é mentiroso, namoros incríveis, experiências incríveis e sem verdade; A justiça... quanta falta de justiça no problema do exercício da sexualidade... a injustiça é brutal. Tantas vezes se utiliza o outro. Isto não pode acontecer. Toda uma vida de um namoro que não se sabe se vai continuar ou não, cria uma injustiça brutal à relação. A pessoa tem de assumir compromissos muito verdadeiros para poder ter um determinado número de atitudes. Trata-se de assumir responsabilidades; Liberdade... como é que eu uso a liberdade? Respeito a liberdade do outro? Quanta violência doméstica é motivada pelo não respeito na vida afetiva e sexual da liberdade do outro? E quanto amor não é amor verdadeiro? Para muitos, amor é desejo, paixão ou uma atitude pontual. Isso é muito pouco para definir. O amor não é isso. Refiro um autor que, mesmo não sendo crente, descreve muito bem o que é o amor, Erich Fromm, em ‘A Arte de Amar’: “Amar é ter capacidade de sair de si, se esquecer de si, para ir ao encontro do outro e fazer o outro feliz”. E isto não é amor para muita gente. Muitos dos que dizem que amam, vivem um amor próprio. Por exemplo, quando ouvimos: “Eu vou casar com aquela moça. Ela vai-me fazer muito feliz…” Isto é um egoísmo descarado e não é amor! Amor é precisamente o contrário, eu perco-me por causa do outro porque a minha preocupação é que o outro seja feliz. Devido à nossa universalidade para amar, eu tenho que amar toda a gente assim. Ao dizer que o amo, quero que ele seja feliz à minha custa, porque eu me dou por ele.

 

Quais os maiores problemas com que se debatem os casais mais jovens?

Em primeiro lugar, importa explicar que o motivo para ter escolhido a sexualidade humana como tema do meu mestrado em Bioética, que dá origem a este livro, foi o facto de ter trabalhado com jovens, durante algumas décadas e ter visto que este problema era essencial. Desde o tempo como professor de Moral, numa escola preparatória, que eu senti a importância deste problema. Depois, trabalhei com as Equipas de Nossa Senhora e, mais tarde, na Pastoral da Saúde. Foram, portanto, por razões pastorais que escolhi este tema.

Um dos campos problemáticos que exige a nossa maior atenção é a família. Como é que aquele casal nasceu enquanto família? Teve consciência de toda a riqueza que tem em si e que tem de saber rentabilizar? Há preparaque se facilitaram porque a sociedade  de saber rentabilizar?reparat

as dum determinado ção muito insuficiente na preparação dos casais para os matrimónios porque foi daí que vieram os problemas do divórcio que até se facilitaram porque a sociedade também passou a aceitá-los. Por exemplo, uma nota que foi divulgada há uns dias atrás na imprensa refere que dos cerca 33 mil casamentos realizados no ano 2013, 22 mil já tinham sido destruídos pelo divórcio. E as pessoas não trabalham o tema de preparação para o matrimónio, tendo em conta a sexualidade e a afetividade? A Igreja tem que apostar muito numa formação mais séria e mais prolongada, com atenção à evolução que o jovem vai fazendo até se comprometer.

 

Existe um desconhecimento, por parte dos mais jovens, sobre o que a Igreja diz sobre a sexualidade?

Falta evangelizar. A Igreja não está a evangelizar. Está muitas vezes a moralizar e a doutrinar. Trata-se de dar uma Boa Nova! Por exemplo, sobre a fecundidade, a Igreja tem a norma, que está muito bem definida, no Artigo III dos Direitos da Família [publicada pelo Conselho Pontifício para a Família, em 22 de outubro de 1983], que diz: “Os esposos têm o direito inalienável de constituir uma família e de determinar o intervalo entre os nascimentos e o número de filhos que desejam, levando em consideração os deveres para consigo mesmos, para com os filhos que já têm, para com a família e a sociedade (...) dentro do quadro de valores que são essenciais, excluindo programas de contraceção, esterilização ou aborto”. Muitos não sabem o que a Igreja pensa sobre este assunto.

Este é o pensamento da Igreja e que me leva a questionar se, quando os casais são novos, isto é assumido ou não. A sociedade de hoje dá prioridade ao automóvel, à casa, aos eletrodomésticos, às férias, só para depois terem um filho. Um cristão não pode ter esta visão e deve compreender que a fecundidade e até a programação da fecundidade é uma responsabilidade social importantíssima. Não é uma atitude religiosa mas uma responsabilidade social perante o mundo inteiro. Nós temos uma Europa com a pirâmide demográfica invertida, o que é uma grande desgraça para o futuro. Se não há fecundidade, ninguém ganha para garantir uma reforma agradável.

Outro dos problemas que encontro no acompanhamento a jovens casais diz respeito ao método de planeamento familiar ou, como gosto de chamar, de regulação dos nascimentos. Isso obriga a um trabalho pessoal muito forte com as famílias. Não podem ser teorias. Aí, penso que a Igreja devia ter grandes técnicos, tais como médicos e psicólogos. Eu até prefiro não falar em “métodos naturais” mas de responsabilidade ecológica e de paternidade, não só responsável, mas também com auto observação. Quando utilizo o conhecimento suficiente da fisiologia e depois dos mecanismos que podem permitir a reprodução ou não reprodução, estou a investir no campo ecológico. Há tanta preocupação com a natureza e com os animais mas poucos se preocupam com a sua saúde, com os comportamentos que têm na sua vida... Se o casal não se estuda, não se conhece, não se observa, então não tem uma possibilidade de fazer uma regulação equilibrada e, por isso, utiliza os “processos tampão”, que são sempre negativos.

Ainda no campo dos problemas existe a ruptura, separação, divórcio. Existem muitos divórcios que começam pelo facto de o marido ou a mulher se desinteressarem fisicamente pelo outro. Ou têm medo da sexualidade ou não descobriram como viver a sua comunhão integral, que não é só física mas psicológica, social e até religiosa.

O envelhecimento é outro dos problemas que se colocam às famílias de hoje. É tão importante o amor entre os idosos. A sociedade tem muita dificuldade em compreender esta problemática. Lembro-me sempre de um episódio com os meus pais, já com mais de 80 anos. Um dia em que estávamos reunidos em família, o meu pai estava a ler o jornal e a minha mãe disse-lhe: “Vítor, não é hora para estares a ler o jornal!”. O meu pai perguntou-lhe: “Então, Luisinha, é hora de quê?”. “De me dares um beijinho”, respondeu ela. Que bonita esta simplicidade dos idosos que têm direito a amar e a descobrir a riqueza do amor mesmo nessa idade.

 

Quais as suas perspetivas sobre o Sínodo dos Bispos sobre a Família, que vai decorrer brevemente em Roma?

Estou convencido de que a sexualidade será um tema muito presente no sínodo. Mas existem outros problemas, como o da educação e todo o problema do acolhimento dos idosos e da sua integração no espaço familiar. Hoje, para mim, os lares são depósitos. É raro encontrarmos um lar que é um espaço de convívio e solidariedade. Salvaguardando a diferença entre lares e unidades de cuidados continuados, nos lares é comum encontrarmos idosos com uma doença crónica e mesmo para se viver com essa doença é necessário que a pessoa seja alimentada socialmente... Quando se fala hoje sobre o Sínodo da Família, todos abordam a permissividade que se dará aos casais e o facto de poderem comungar ou não. Tudo isso são coisas secundárias, são problemas de pequena disciplina que podem ser estudados e refletidos amando as pessoas.

O problema educativo é o mais grave que as famílias vivem. As famílias não estão a educar porque não têm tempo. Estão tão preocupadas com equilíbrio económico, com a vida social e até com a vida religiosa, dando muito tempo à Igreja, em vez de estar em casa. Este sínodo irá certamente ajudar os pais a dar prioridade ao que tem prioridade e olhar para o acolhimento dos mais idosos.

Creio que o Papa Francisco vai trabalhar estas temáticas com muita simplicidade e uma atitude de muita ternura e amor, como ele é.

 

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Sexualidade Humana - Exigências éticas e comportamentos saudáveis

Monsenhor Vítor Feytor Pinto

Prefácio do Prof. Walter Osswald

Editora: Paulus

Preço: 13,90¤

Encomendas: www.paulus.pt/sexualidade-humana

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