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P. Duarte da Cunha
O amor e o casamento

Está a decorrer em Roma o Sínodo sobre a família. Bispos de todo o mundo e algumas pessoas convidadas para dar testemunho e ajudar à reflexão estão reunidos para identificarem os grandes desafios que a família enfrenta actualmente, mas sobretudo para apontar os caminhos que levarão a Igreja toda a um maior empenho no cuidado pastoral e na atenção a cada família.

O matrimónio implica uma séria abordagem canónica, pois trata-se de um pacto entre duas pessoas com consequências não só para elas mas também para os filhos que possam surgir e para toda a sociedade. O facto de ser sacramento faz ainda com que a esse pacto seja selado por Deus e, por isso, não se pode realizar sem que a Igreja, em nome de Deus, o reconheça e o abençoe. Contudo, os alicerces estão no amor esponsal.

A grande questão pastoral e teológica – que é decisiva em toda a acção da Igreja de hoje, mas de modo particular a propósito da família – é, de facto, o amor. Poderia parecer à primeira vista uma questão sobre a qual todos estão de acordo – não é verdade que todos querem amar e ser amados? – mas na realidade aprender a amar e saber o que é o amor no plano de Deus Criador é hoje em dia uma urgência.

Existe toda uma série de concepções redutoras do amor, que têm gerado muitos problemas sociais e pessoais, com um reflexo especialmente grave nas famílias, que obrigam a Igreja a não dar por adquirido que as pessoas sabem o que é amar. É preciso aprendermos a amar bem! E é fundamental ser realista, para não reduzir o amor a um conto de fadas aparentemente bonito mas incapaz de satisfazer o coração humano e de incarnar na vida das pessoas. Sem esta aprendizagem do amor – que deve começar na própria família – não haverá futuro nem nas famílias nem na sociedade.

É famosa a frase de João Paulo II na sua primeira Encíclica: “O homem não pode viver sem amor. Ele permanece para si próprio um ser incompreensível e a sua vida é destituída de sentido, se não lhe for revelado o amor, se ele não se encontra com o amor, se não o experimenta e se não o torna algo seu próprio, se nele não participa vivamente.” (RH 10)

Sabemos que o cerne dos ensinamentos de Jesus é o amor. Se, como Jesus ensinou, a síntese da Lei de Deus revelada no Antigo Testamento era já “amar a Deus acima de tudo e amar o próximo como a si mesmo” (cf. Mt 22, 37-40), com a Sua vinda, a centralidade do amor fica ainda mais vincada e ganha uma nova perspectiva. Jesus não só nos amou entregando-Se para nossa salvação até à cruz, como redimindo-nos também tornou possível amarmo-nos como Ele nos amou (cf. Jo 13, 34). Parece evidente que a noção de amor no nosso tempo está distante deste ideal. É urgente rever a concepção de amor e evangelizar o amor. Olhemos então para o amor de Jesus.

Em primeiro lugar, em Jesus aprendemos que o amor é o dom de si: “Quem procurar salvar a vida, há-de perdê-la; e quem a perder, há-de conservá-la.” (Lc 17,33); “ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos amigos” (Jo 15,13); “Eu vim para servir e dar a vida em redenção por muitos” (Mc 10,45). O amor cristão é, portanto, um dar, mas acima de tudo é um dar-se – é um dar que vem de dentro. “Amar é dar tudo e dar-se a si mesmo”, dizia Santa Teresa do Menino Jesus numa das suas poesias.

Apesar da importância de se dizer que o amor verdadeiro inclui o dom de si, é necessário também recordar que isso não basta. Um dom nunca é totalmente desinteressado. Tem dentro de si sempre um pedido para que seja acolhido. Deus, que nos ama infinitamente, pede que O amemos. Sem o nosso amor por Ele ficamos fechados aos dons de vida que Ele nos quer dar. É assim que o amor pede sempre a reciprocidade para gerar uma unidade entre aqueles que se amam.

Em síntese, a definição de amor cristão além de dizer que amar é o dom de si, também recorda que o amor destina-se à comunhão de vida. Fomos criados à imagem e semelhança de um Deus trinitário que é em si mesmo uma comunhão de amor. A comunhão é o ideal último do amor. Isto é especialmente evidente no caso de um casal, porque os esposos, que se dão e acolhem plenamente, constituem uma comunhão para toda a vida. Não é em vão que Bento XVI na sua primeira encíclica, disse que o amor esponsal de um casal é o modelo do amor humano. (cf. Deus Caritas est 2)

Será possível viver este amor? Apesar de todas as fragilidades, altos e baixos, com a graça de Deus que liberta o coração humano, é possível. As famílias santas mostram que é possível e é bom.