Lisboa |
D. João Marcos nomeado Bispo Coadjutor de Beja
“É sempre Ele o artista”
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“Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador!” (Lc 5, 8). Estas palavras de Pedro para Jesus ressoaram no coração de D. João Marcos assim que recebeu a notícia, na passada semana, da sua nomeação para Bispo Coadjutor de Beja.

 

Até agora presbítero do Patriarcado de Lisboa, D. João Marcos revela ao Jornal VOZ DA VERADE ter sido “o primeiro a admirar-se com esta nomeação do Papa”, mas garante estar “muito confiante no Senhor, que tem feito coisas grandes” na sua vida. “Eu sou apenas o pincel ou a tinta que Cristo usa, mas é sempre Ele o artista”, salienta.

As reações à sua nomeação vieram de todo o mundo. “Surpreende-me ver que esta nomeação tenha provocado uma explosão de alegria em toda a diocese e também fora de Portugal. Houve gente que manifestou alegria por Beja mas que também chora por mim, porque sabem que isto é sério. Todas asseguraram-me a oração. Isso consola-me e fortalece-me muito”, frisa D. João Marcos. O novo Bispo Coadjutor de Beja, cuja ordenação episcopal será no dia 23 de novembro, afirma que tem como principal preocupação “aprender a ser Bispo” como aprendeu “a ser Padre”.

Nascido em 1949, em Monteperobolso, Concelho de Almeida, Distrito e Diocese da Guarda, D. João Marcos desde cedo se habituou a uma vida familiar “sem grandes luxos” e com um “ambiente próprio de uma aldeia, com muitas crianças”. O novo Bispo cita o filósofo e conterrâneo Eduardo Lourenço para retratar a população que o viu nascer: “Deus não era uma ideia abstrata. Era o centro da vida das pessoas”.

 

Arte na missão

Após a 4ª Classe, João Marcos é aceite no Seminário de Santarém que à data fazia parte da Diocese de Lisboa. “Fui estudar para o Seminário de Santarém e depois de três anos fui para o Seminário de Almada, entre 1963 e 1966, onde encontrei os então padres Albino Cleto e João Alves, mais tarde Bispos de Coimbra”. Questionado sobre o início da sua vocação, D. João Marcos revela que “tudo surgiu pela via estética”. “Sempre gostei do que é bonito... toda a gente gosta”, frisa, sorrindo. “Na minha terra, numa aldeia pobre, o que há de bonito e de diferente? A Igreja, com imagens dos santos, as talhas douradas, os cânticos... Foi nessa altura que as pessoas começaram a ver que tinha uma inclinação para ser padre. E eu não dizia o contrário, até porque com 6 ou 7 anos tive um sonho em que me vi como padre e acordei contentíssimo”, recorda.

Para o aluno João Marcos, o tempo no seminário foi conturbado. “Não fui um bom seminarista. Baldava-me muito e a certa altura os próprios padres encolhiam os ombros acerca de mim”, lembra. D. João Marcos, hoje, diz que se sente admirado pelo momento que está a viver: “Com esta nomeação, o primeiro a admirar-se sou eu! E os que me conhecem melhor, também se admiram muito”.

O gosto pela pintura sempre esteve presente na vida do novo Bispo. Em 1972, nos últimos anos como aluno do Seminário dos Olivais, o então reitor, padre José Policarpo, e outros padres do seminário tornaram-no estudante de pintura. E foi, precisamente, durante o 2º Ano do curso de Pintura, na Faculdade de Belas Artes, em Lisboa, que João Marcos se tornou, em 1974, no primeiro padre ordenado a seguir ao 25 de abril. Depois de um ano na paróquia dos Anjos, o padre João Marcos juntou-se à equipa de sacerdotes da Merceana, que era composta pelos padres Joaquim Martins e Joaquim Batalha e pelo ainda seminarista Teodoro Sousa, entretanto ordenado presbítero. “Quatro padres juntos deram um impulso diferente às paróquias da zona. Fomos muito apoiados pelo senhor Patriarca, D. António Ribeiro, e pelo Bispo Auxiliar de Lisboa D. António Marcelino, falecido em 9 de outubro de 2013, e cujas últimas palavras que ouvi dele, pouco tempo antes da sua morte, se referiam a esse trabalho pastoral: ‘João Marcos, lembro-me tantas vezes daquele tempo da Merceana. Aquilo que vocês estavam a fazer é o que o Papa Francisco manda agora toda a Igreja fazer’”, recorda.

 

Pregação

Foi a partir das pregações que o trabalho pastoral da equipa de sacerdotes da Merceana “começou a dar os seus frutos, chegando até a aumentar a prática dominical”. Por entre seis paróquias e os seus respetivos lugares de culto, eram cerca de 500 as pessoas que se reuniam durante a semana para participar nos ‘encontros bíblicos’. “Quando se anuncia o Evangelho, algo se move dentro das pessoas porque foram criadas para Cristo. E quando este anúncio chega ao coração das pessoas, o coração move-se”, testemunha D. João Marcos. No entanto, salienta, algumas das experiências de preparação para o batismo foram “fracassos rotundos”. Foi assim que percebeu que “algumas coisas não estavam a funcionar”. “Mas com esses fracassos fui aprendendo”, lembra. Essa aprendizagem que aconteceu nos primeiros anos como sacerdote, permitiram a D. João Marcos, mais tarde, na paróquia do Milharado fazer um caminho de dois anos de preparação para o batismo, com cerca de 25 pessoas, na sua maioria jovens, que foram batizados na Sé de Lisboa, numa celebração da Vigília Pascal. “Lembro-me do deslumbramento do rosto do senhor Cardeal Ribeiro, ao ver aquela gente toda vestida de branco, após o batismo. E realmente era uma assembleia pascal”, descreve. Este grupo celebrou, no ano passado, 25 anos de batismo. Num pequeno convívio de comemoração, estiveram presentes 18 pessoas, sendo que a maioria continua ligada à Igreja. Para D. João Marcos, este sinal é “uma grande consolação porque aquilo que receberam continuou a crescer e deu fruto”.

Foi ainda na paróquia de Nossa Senhora dos Prazeres da Aldeia Galega da Merceana que o padre João Marcos conheceu o Caminho Neocatecumenal e os seus iniciadores, Kiko Argüello, Carmen Hernández e o padre Mário Pezzi. “Na primeira vez que me encontrei com os iniciadores, fiquei muito incomodado e até impressionado com a pregação do Kiko. Levei muito tempo a digerir isso e depois pensei que aquele homem é um profeta porque diz a verdade e coisas que mais ninguém tem a coragem de dizer”, realça. Viu então que, devido às “lacunas grandes” na sua formação, aquele movimento “podia ser uma ajuda importante”. Foi assim que começou a acompanhar o Caminho Neocatecumenal.

 

Itinerância

Após fazer uma das etapas propostas pelo Caminho Neocatecumenal, o primeiro escrutínio, o então padre João Marcou compreendeu que o que tinha acabado de testemunhar “era o que a Igreja precisava”, ou seja, “um percurso em que se faz uma cultura séria da vida cristã”, refere. Nos primeiros anos como sacerdote, o padre João Marcos sentiu um chamamento para a itinerância (período de tempo que é passado fora, em missão). “Um dia falei com o D. António Marcelino sobre esse meu chamamento e ele encorajou-me muito a falar com o senhor Patriarca, D. António Ribeiro, que aceitou esse meu pedido”. Depois da sua primeira experiência como itinerante em Dublin, na Irlanda, os iniciadores do Caminho Neocatecumenal propuseram enviar o padre João Marcos para o Brasil. “Regressado a Portugal, falei com o Cardeal Ribeiro para saber qual a sua decisão. Curiosamente, os meus colegas acharam – sem falar comigo – que partir como itinerante para o Brasil seria o melhor para mim e fizeram saber isso mesmo a D. António Ribeiro”, recorda o novo Bispo Coadjutor de Beja.

Durante um ano, o padre João Marcos esteve como catequista itinerante na Amazónia e em Manaus. “Juntamente com uma equipa do Caminho, demos catequeses à noite, numa pequena capela de uma favela. Era um ambiente horrível, com crimes diários, mas o Senhor abençoou esse trabalho. Já na cidade brasileira de Manaus, fiz também catequeses na Basílica de Nossa Senhora da Nazaré. Passava os dias no confessionário, graças a Deus”, lembra. Regressado a Portugal, em 1985, este sacerdote, então com 36 anos, estava confiante de que “teria um futuro como catequista itinerante”, mas o Patriarca já o tinha nomeado pároco do Milharado e Vila Franca do Rosário, onde esteve durante 9 anos, antes de ser pároco de Camarate e Apelação.

 

Formação de sacerdotes

No segundo ano como pároco de Camarate e Apelação, em 1995, o padre João Marcos passa a integrar a equipa formadora do Seminário dos Olivais, como diretor espiritual, acumulando depois, a partir de 2000, a mesma função no Seminário ‘Redemptoris Mater’, em Caneças. “Cheguei a padre muito impreparado para ser padre, cheguei a diretor espiritual, aos meus olhos, muito impreparado para essa missão. Sempre tenho estado a fazer coisas para as quais não me sinto preparado. E agora, repete-se a história, porque isto de ser Bispo não me passou pela cabeça. Nunca vi que uma pessoa como eu pudesse ser Bispo. Mas já estou habituado a fazer coisas para as quais não me sinto preparado. Penso que Nosso Senhor vai continuar com o mesmo esquema, mas tudo bem”, aponta, bem-disposto, D. João Marcos.

O novo Bispo destaca ainda a “generosidade de Deus” ao oferecer à Diocese de Lisboa sacerdotes que se “habituaram a servir o Senhor, com muita generosidade”. “Encontro neste Clero de Lisboa, que em parte ajudei a formar, a generosidade de Deus. Isto de Deus dar pastores ao seu povo é uma coisa que não apreciamos devidamente mas é um dos sinais maiores do Seu amor”, lembra. “Existem padres excelentes, com uma preparação teológica muito boa, outros mais fracos, mas olhando para este conjunto de homens, e conhecendo-os por dentro, não tenho problema em dizer que é um clero excelente. Todos somos pecadores, existem feridas e problemas mas somos homens que se habituaram a servir o Senhor com muita generosidade, nem sempre com muito discernimento – a começar por mim – mas dou muitas graças a Deus por isto que Ele faz nesta diocese. A minha própria formação como padre foi-se concluindo, formando padres, porque ‘é dando que se recebe’. Quando nos damos, também recebemos”, lembra o Bispo Coadjutor de Beja.

 

Missão desproporcional

“Como é possível que alguém como eu seja padre?”, questiona D. João Marcos que ainda “não se tinha habituado à ideia de ser padre” e agora, como Bispo, já “não vai ter tempo para criar hábito”. “Sempre vi este ministério como uma coisa sublime da qual não somos dignos, mas à qual o Senhor nos chama pelo amor que tem ao seu povo. Em que consiste isto de ser pastor? É ser mediador. É ser alguém que leva Cristo às pessoas mas que leva as pessoas a Cristo”, observa.

Perante a falta de esperança das pessoas, D. João Marcos reforça a necessidade de um anúncio. “As pessoas vêem-se dentro de um labirinto que é o mundo, cercado por um muro que se chama ‘morte’. Nós, cristãos, sabemos que há uma saída! Nós sabemos que neste muro, Deus abriu uma brecha que é a cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo. Portanto, temos que anunciar às pessoas o mistério da Cruz, a Páscoa de Jesus, isto é, o Kerygma! A Páscoa é a chave do cristianismo. Se nós vivemos isto, podemos anunciar”, exorta D. João Marcos.

  

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Patriarca lembra “ministério dedicado e fecundo”

D. Manuel Clemente, na mensagem que dirigiu por ocasião da nomeação de D. João Marcos como Bispo Coadjutor de Beja, lembra a dedicação do até agora sacerdote da diocese. “O Patriarcado de Lisboa contou durante quatro décadas com o seu ministério dedicado e fecundo, quer na pastoral paroquial quer na formação de seminaristas e padres, que lhe devem muito do que aprenderam de mais sólido, em termos de espiritualidade sacerdotal e zelo evangelizador. A sua inteligência e sensibilidade deixam-nos em muitos templos e publicações a marca luminosa das pinturas que fez e para sempre o lembrarão, para glória de Deus e elevação de todos”, refere o Patriarca de Lisboa, em mensagem enviada a partir de Roma.

  

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D. João Marcos agradece à Diocese de Lisboa

Numa mensagem vídeo, disponível em www.youtube.com/patriarcadolx, D. João Marcos dirige uma mensagem de agradecimento à Diocese de Lisboa em que desafia os diocesanos a “não terem medo de Jesus Cristo, porque é a única coisa que vale a pena nesta vida”, pedindo ainda a oração para a sua nova missão como Bispo Coadjutor de Beja.

texto e fotos por Filipe Teixeira
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