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Pedro Vaz Patto
Paraísos fiscais

Há quem considere exageradas as vigorosas críticas do Papa Francisco às injustiças do sistema económico dominante.

Quando li as notícias relativas aos acordos secretos do governo do Luxemburgo com grande empresas multinacionais aí formalmente sediadas apenas para evitar o pagamento de impostos, com taxas de um por cento sobre montantes de lucros astronómicos, vieram-me à mente essas críticas e pensei que talvez não sejam exageradas…

Os atuais responsáveis desse governo vieram defender-se, alegando que se trata de acordos legais. Mas, se o são, não deviam ser, pois nem tudo o que é legal é legítimo. Desde logo, porque o secretismo de acordos neste âmbito não se coaduna com os princípios de transparência de um Estado democrático de Direito.

É verdade que não é só o Luxemburgo que na Europa funciona como “paraíso fiscal”. Isso sucede com vários territórios sob jurisdição da União Europeia (do Reino Unido, designadamente). E também é verdade que quando é abolido um “paraíso fiscal” haverá outro que com isso beneficia.

Mesmo quando não estão em causa “paraísos fiscais” (onde a carga fiscal é insignificante), os Estados concorrem entre si na redução das taxas de imposto sobre lucros de empresas (que se tornam inferiores às taxas sobre rendimentos do trabalho), para atrair investimentos. Isso também sucede com os níveis de proteção dos direitos dos trabalhadores ou do ambiente. É o chamado dumping (fiscal, social ou ambiental). Gera-se, assim, uma espiral que conduz ao nivelamento por baixo das exigências do bem comum que justificam a legislação nesses âmbitos.

Uma visão pragmática e utilitarista, numa perspetiva estreita de vantagens sectoriais e de curto prazo, pode justificar este tipo de opções. Mesmo com taxas de imposto muito baixas, o Luxemburgo beneficia com os acordos em questão, pois essas taxas incidem sobre montantes de lucros muitíssimo avultados. No entanto, não é justo que, além do mais, algum Estado beneficie de impostos relativos a rendimentos em tudo gerados no território de outros Estados.

Mas essas opções já não se justificam numa perspetiva mais alargada do bem comum (europeu ou universal, não apenas sectorial ou nacional), ou numa perspetiva estrutural e de mais amplo alcance, que não dispensa a avaliação ética. Quando os critérios de justiça são desprezados, os alicerces éticos do Estado são corroídos por dentro; o Estado perde autoridade moral.

Que autoridade moral pode ter a União Europeia para impor sacrifícios em ordem à redução dos défices públicos, sacrifícios que implicam redução de despesas sociais e aumento de impostos sobre rendimentos do trabalho e lucros de pequenas empresas, quando permite a grandes empresas evitar o pagamento de impostos em montantes de tal modo elevados que seriam suficientes para reduzir substancialmente esses défices?

Num sistema deste modo injusto, que faz pagar mais a quem menos pode e menos a quem mais pode, não será fácil motivar os cidadãos para pagar os impostos por eles devidos. O combate à evasão fiscal depende, mais do que de medidas repressivas, da consciência dos cidadãos a respeito dos impostos como instrumento ao serviço do bem comum. Se o sistema fiscal não for justo, torna-se mais difícil criar ou reforçar essa consciência.

Oxalá este escândalo sirva (como “um mal que vem por bem”) de ocasião para reformar os sistemas fiscais no sentido da justiça. O que deveria passar pela abolição, pura e simples, de todos os “paraísos fiscais”.