
A presidente do Núcleo de Lisboa da Associação dos Médicos Católicos Portugueses, Sofia Reimão, considera que “todos os médicos têm como dever profissional respeitar a vida”, salientando que os clínicos católicos têm “um acréscimo” desse dever porque “amam a vida em todas as circunstâncias, mesmo que limitada”. Em entrevista ao Jornal VOZ VERDADE, por ocasião do centenário desta associação profissional católica e do Dia Mundial do Doente (11 de fevereiro), esta médica aponta a necessidade de se “voltar a colocar o ‘homem no centro’ da reflexão” da medicina nos próximos anos.
De que forma apresenta a Associação dos Médicos Católicos Portugueses, que neste ano de 2015 cumpre o centenário?
A Associação dos Médicos Católicos Portugueses foi constituída em 1915, por iniciativa do então Bispo do Porto, D. António Barroso. É uma das associações de leigos mais antiga do país e, a nível europeu, somos também uma das mais antigas associações de médicos católicos. Temos uma história que nos orgulha, e que é muito importante na intervenção social.
Tem sido preocupação da associação contribuir para a presença efetiva de uma resposta aos problemas da medicina com uma reflexão aprofundada e um testemunho verdadeiro e cristão. No núcleo diocesano de Lisboa temos cerca de 180 a 200 associados e temos uma presença regular de 50 a 60 pessoas nas nossas reuniões mensais.
Quais as principais atividades que a associação promove?
A associação tem uma direção nacional e depois distribui-se por núcleos diocesanos. Cada diocese tem esse núcleo, aprovado pelo respetivo Bispo, em termos de direção e funcionamento, e vive em estreita relação com a Igreja e para a Igreja. Cada núcleo tem ações variadas. Em Lisboa, por exemplo, temos sempre reuniões mensais, em que são discutidos temas relacionados com a atualidade (ver caixa). Recentemente, no espírito do Sínodo Diocesano 2016, estamos a refletir sobre a Exortação Apostólica ‘A alegria do Evangelho’. Temos tido vários convidados, sempre com alguma ligação à medicina, que nos vão falando dos vários capítulos do documento do Papa Francisco. Reunimos também, mensalmente, com o nosso assistente espiritual, o padre Vítor Feytor Pinto, no Centro Paroquial do Campo Grande, em Lisboa. Anualmente, no dia de São Lucas [padroeiro dos médicos], celebrado no dia 18 de outubro, marcamos o início das atividades do novo ano pastoral com uma celebração eucarística e um tema para uma reflexão um pouco mais alargada. Fazemos também um retiro, normalmente, por altura da Quaresma.
Este ano, como se comemora o centenário da associação, existem algumas datas especiais, que começaram com uma Missa na Sé do Porto, no passado dia 17 de janeiro. No dia 9 de maio vai haver um congresso nacional sobre a relação médico-doente. Depois, está prevista, em Lisboa, ainda sem data, uma cerimónia civil para uma comemoração mais abrangente e aberta à sociedade. No final do ano teremos um concerto de Natal para encerramento do ano do centenário da Associação dos Médicos Católicos Portugueses.
De que forma a associação está presente no dia-a-dia dos médicos?
A associação procura ser uma referência em termos de formação. O exercício da medicina é privilegiado porque sentimos e experimentamos como a nossa vida é posta ao serviço dos outros, reconhecendo a vivência desse testemunho nas situações de sofrimento e fragilidade com que somos confrontados. O Papa Francisco dizia, no passado mês de novembro, perante a Associação Italiana dos Médicos Católicos, que não cumprimos apenas o juramento de Hipócrates [juramento solene efetuado pelos médicos no qual juram praticar a medicina honestamente] servindo e defendendo a vida. Nós amamos a vida! É esse testemunho, mais abrangente nas situações onde existe maior fragilidade, na doença, no sofrimento, na morte, que somos chamados a dar. A Associação dos Médicos Católicos Portugueses procura ser uma ajuda à vivência desse testemunho, e em Igreja, o que muitas vezes não é fácil.
Que visão tem a associação sobre a eutanásia e as barrigas de aluguer?
É a visão da Igreja. É magistral a resposta que o Papa Francisco dá no referido encontro com os médicos católicos italianos: “A vida é um dom de Deus e cabe-nos respeitá-la”. Todos os médicos têm como dever profissional respeitar a vida e isso é intrínseco aos próprios médicos. Nós temos um acréscimo porque amamos a vida, em todas as circunstâncias, mesmo que limitada. Somos chamados a ver a presença de Deus nos outros.
Temos promovido o debate destes temas, ao longo de vários anos, em conjunto com outros temas de reflexão ética e filosófica. Tem sido uma preocupação nossa.
O Papa Francisco compara a Igreja a um “hospital de campanha”. Neste “hospital”, os médicos católicos têm um papel fundamental?
Sem dúvida! Têm um papel fundamental na defesa dos frágeis, dos desprotegidos, no envelhecimento da sociedade, junto das pessoas mais sozinhas e abandonadas. É para esta eutanásia quase social das pessoas que são postas à margem, e onde a fragilidade é maior, que somos convidados a sair e ir ao encontro. O primeiro dever de um médico católico é ser competente mas com esta visão completa das pessoas que nos aparecem como imagem e semelhança de Deus e a quem somos chamados a servir. É o modelo do bom samaritano, onde somos capazes de olhar o outro, de o reconhecer e ter compaixão, e depois ter uma ação efetiva, fazendo tudo para que recupere a saúde, na sua globalidade.
Quais os desafios dos próximos anos para a Associação dos Médicos Católicos Portugueses?
A associação, tal como a medicina em geral, vão ser confrontadas com muitos desafios. Por um lado, o envelhecimento crescente da população é algo que a medicina irá dar resposta e, mais uma vez, é fundamental o papel dos médicos católicos para que seja respeitada a dignidade e o máximo de cuidados para esta fase da vida. A questão da eutanásia será certamente algo com que teremos que nos debater nos próximos tempos. As iniciativas legislativas que se aproximam vão tentar entrar pelo problema da “qualidade de vida” – algo que o Papa se refere de forma perentória. Tudo o que tem a ver com os custos da saúde e a forma como os sistemas de saúde vão evoluir é um desafio que os médicos católicos vão ter que dar resposta, fazendo ver que todos têm necessidade de apoio e que os cuidados de saúde têm de ser abrangentes, não descriminando ninguém.
Os problemas do início da vida continuam a ser importantes e, cada vez mais, assistimos a esta manipulação que se faz da vida, tornando-nos senhores, através desta revolução científica e tecnológica que depois não é acompanhada por uma reflexão moral sobre o que acontece. Estes são grandes desafios com os quais a medicina vai ser confrontada e necessitam de uma resposta que volte a colocar o “homem no centro” com a sua dignidade, como lembra o Papa Francisco. Esperemos que a Associação dos Médicos Católicos Portugueses, com um investimento maior em termos de participação social e no recrutamento de pessoas mais novas, consiga dar um contributo a essa reflexão.
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Perfil
Sofia Reimão
37 anos
Presidente do Núcleo de Lisboa da Associação dos Médicos Católicos Portugueses
É licenciada em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, em 2001, e mestre em Filosofia pela Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa, em 2007. Atualmente está a concluir o doutoramento em Medicina, na área da doença de Parkinson.
É assistente hospitalar no Serviço de Imagiologia Neurológica no Hospital de Santa Maria, em Lisboa.
Pertence à paróquia de Porto Salvo e fez parte do movimento das Equipas de Jovens de Nossa Senhora (EJNS).
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Revista ‘Ação Médica’
A revista da Associação dos Médicos Católicos Portugueses existe há 75 anos e é a revista médica mais antiga do país. ‘Ação Médica’ aborda temas da atualidade que procuram refletir os aspetos mais técnicos da medicina, com uma componente ética, de reflexão sobre a ação médica, e contribuir para a reflexão da relação médico-doente.
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Próximos encontros do Núcleo de Lisboa da Associação dos Médicos Católicos Portugueses
13 de fevereiro: Capítulo III da ‘Evangelii gaudium’, sobre “O anúncio do Evangelho” - Pedro Aguiar Pinto
13 de março: Capítulo IV da ‘Evangelii gaudium’, sobre “A dimensão social da Evangelização” - Zita Seabra
10 de abril: Capítulo V da ‘Evangelii gaudium’, sobre “Evangelizadores com Espírito” - Raquel e Tiago Nolasco
8 de maio: Capítulo VI da ‘Evangelii gaudium’, sobre “Só com Maria conseguimos evangelizar” - Maria Amélia Bleck e João Bleck
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José Luís Nunes Martins
O amor é firme, paciente e tranquilo. Aprende-se a amar e a humildade de nunca se dar por satisfeito é a razão pela qual não tem fim.
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P. Manuel Barbosa, scj
Temos nos ouvidos, nos olhos e no coração as belíssimas imagens da JMJ Lisboa 2023 e as intensas mensagens que o Papa Francisco nos deixou.
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