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5ª Catequese Quaresmal
“A nova evangelização para a transmissão da fé” (EG 14 e 15)
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Irmãos e irmãs

Na Catequese deste V Domingo da Quaresma, tenho como referência os números 14 e 15 da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium que tem como tema: “A nova evangelização para a transmissão da fé”.

 

I - Interpelação no âmbito da pastoral ordinária

A primeira interpelação é feita para dentro da Comunidade cristã. Diz o Papa Francisco:

“Em primeiro lugar, mencionamos o âmbito da pastoral ordinária, «animada pelo fogo do Espírito a fim de incendiar os corações dos fiéis que frequentam regularmente a comunidade, reunindo-se no dia do Senhor, para se alimentarem da sua Palavra e do Pão de vida eterna». Devem ser incluídos também neste âmbito os fiéis que conservam uma fé católica intensa e sincera, exprimindo-a de diversos modos, embora não participem frequentemente no culto. Esta pastoral está orientada para o crescimento dos crentes, a fim de corresponderem cada vez melhor e com toda a sua vida ao amor de Deus”. (EG 14)

 

Para nós, que nos revemos neste âmbito dos cristãos designados por ‘praticantes’, é bom aproveitar a caminhada quaresmal para nos colocarmos diante do Senhor e pedir-lhe que nos faça participantes mais zelosos da Sua missão e, portanto, mais capazes de um melhor testemunho de vida cristã.

 

Onde encontrar motivação para evangelizar?

É o próprio Papa Francisco que na mesma Exortação nos ensina: “A primeira motivação para evangelizar é o amor que recebemos de Jesus, aquela experiência de sermos salvos por Ele que nos impele a amá-Lo cada vez mais. Com efeito, um amor que não sentisse a necessidade de falar da pessoa amada, de a apresentar, de a tornar conhecida, que amor seria? Se não sentimos o desejo intenso de comunicar Jesus, precisamos de nos deter em oração para Lhe pedir que volte a cativar-nos. Precisamos de o implorar cada dia, pedir a sua graça para que abra o nosso coração frio e sacuda a nossa vida tíbia e superficial. Colocados diante d’Ele com o coração aberto, deixando que Ele nos olhe, reconhecemos aquele olhar de amor que descobriu Natanael no dia em que Jesus Se fez presente e lhe disse: «Eu vi-te, quando estavas debaixo da figueira!» (Jo 1, 48). Como é doce permanecer diante dum crucifixo ou de joelhos diante do Santíssimo Sacramento, e fazê-lo simplesmente para estar à frente dos seus olhos! Como nos faz bem deixar que Ele volte a tocar a nossa vida e nos envie para comunicar a sua vida nova! Sucede então que, em última análise, «o que nós vimos e ouvimos, isso anunciamos» (1 Jo 1, 3). A melhor motivação para se decidir a comunicar o Evangelho é contemplá-lo com amor, é deter-se nas suas páginas e lê-lo com o coração. Se o abordamos desta maneira, a sua beleza deslumbra-nos, volta a cativar-nos vezes sem conta. Por isso, é urgente recuperar um espírito contemplativo, que nos permita redescobrir, cada dia, que somos depositários dum bem que humaniza, que ajuda a levar uma vida nova. Não há nada de melhor para transmitir aos outros”. (EG 264)

 

Reconheçamos esta necessária, importante e fundamental experiência que é a oração. E neste espírito contemplativo, acompanhemos o Senhor Jesus até ao rio Jordão.

 

Diz São Lucas no seu Evangelho acerca do Batismo de Jesus:

“Todo o povo tinha sido batizado; tendo Jesus sido batizado também, e estando em oração, o Céu rasgou-se e o Espírito Santo desceu sobre Ele em forma corpórea, como uma pomba. E do Céu veio uma voz: «Tu és o meu Filho muito amado; em ti pus todo o meu agrado.» (Lc 3,21-22)

 

É interessante esta associação entre batismo e oração: tendo sido batizado, Jesus encontrava-se em oração. Serve esta passagem bíblica para nos recordar que o Sacramento do Batismo torna-nos capazes da oração, potencia-nos para a relação com Deus. E como Jesus, também nós podemos tratar a Deus por Pai.

Sublinhamos, assim, como o Batismo é assumido em oração, e não pode acontecer sem ambiente de Oração. É neste ambiente que o divino e o humano, o céu e a terra, se encontram.

Então, “o Céu rasgou-se”. Isto é, quando há condições de oração, o Céu abre-se; estão criadas as condições para a escuta de Deus e também as condições para uma resposta generosa.

O Espírito Santo desceu sobre Ele. Revela-se a intimidade de Deus. Revela-se o Amor misericordioso de Deus na leveza de uma pomba. E há condições para ouvir: “Tu és o Meu Filho muito amado”. Eis a experiência espiritual de Jesus no Batismo. Eis a Palavra que Jesus não mais esquecerá e que O faz ‘aguentar’ tudo.

 

É nesta consciência assumida de sermos nós, também, Batizados em Cristo, “filhos amados do Pai”, que se afirma generosamente a nossa vocação numa vida relacionada com Deus e com os nossos semelhantes, porque somos enriquecidos pelo dom da filiação divina e consagrados como filhos num Amor que nos salva. Assim, marcados com o selo da Cruz do Senhor, e procurando corresponder a este Amor de Deus, na fidelidade da oração e da vida, teremos motivação para evangelizar. Esta motivação evangelizadora situa-se, então, em primeiro lugar, para ajudar a crescer os irmãos na fé, na família, no grupo, no Movimento, na Paróquia, no mundo. Como refere o Papa Francisco: “Esta pastoral está orientada para o crescimento dos crentes, a fim de corresponderem cada vez melhor e com toda a sua vida ao amor de Deus” (EG 14).

 

II - Interpelação no âmbito das pessoas batizadas que não vivem as exigências do Batismo

Evangelizar significa anunciar uma boa notícia. E a boa notícia (Evangelho) é Jesus Cristo. Porém, perguntamos: será pastoralmente sensato interpelar uma pessoa batizada mas afastada da fé, falando-lhe das exigências do Batismo? Quando falo do Batismo, devo começar por falar de exigências de comportamento? Não! Não devo começar por aí, porque não são os bons comportamentos que me dão a salvação, mas é antes a experiência da salvação que me leva a assumir comportamentos adequados.

Nesta pedagogia pastoral, a interpelação para os cristãos batizados que não assumem os compromissos do Batismo consistirá em propor-lhes a descoberta ou redescoberta da alegria da Fé.

Se um cristão não experimentar na sua vida o Amor de Deus, o Cristo vivo, então uma exigência da moral cristã não é aceite em liberdade e assim não se sentirá bem. Portanto, em primeiro lugar, o cristão ‘afastado’ deve ser convidado a descobrir a alegria correspondente ao dom do seu Batismo. Se ele abrir o seu coração à Palavra e acreditar que Jesus Cristo também deu a vida por ele, e que é este Amor que nos faz irmãos e filhos do mesmo Pai, então poderá acontecer o início de uma caminhada de felicidade, em que o importante não são as exigências de comportamento mas a alegria de um crescimento interior. É a boa experiência da Fé vivida em amor generoso que leva, então, o cristão, progressivamente, a ser capaz de fazer renúncias e a abraçar livremente novas exigências na sua vida.

 

Numa interpretação adaptada, a breve Parábola da “dracma perdida” (cf Lc 15,8-10), poderá corresponder à evangelização deste âmbito dos cristãos ‘afastados’. Uma mulher, uma cristã, perdeu uma dracma, um dom importante na sua vida: por exemplo, o seu gosto pela oração ou a alegria da fé. Com a ajuda de alguém, ao tomar consciência da perca desse dom (ou dracma), acende a luz (da fé), varre a casa (procura um padre e confessa-se pedindo perdão do seu afastamento do Amor de Deus) e reencontra a dracma, ou seja, a alegria do encontro com Deus. Então, encontra-se com as amigas e vizinhas (talvez numa Missa de Domingo onde já vai comungar) e diz-lhes, “alegrai-vos comigo porque encontrei a dracma perdida”. Uma só redescoberta assim, uma só conversão, diz o Senhor, provoca alegria entre os anjos de Deus.

 

III - Interpelação no âmbito daqueles que não conhecem Jesus Cristo ou que sempre O recusaram

Para nos colocarmos corretamente neste âmbito como evangelizadores, necessitamos de ter em conta que o homem não cristão, que rejeita a dimensão religiosa na sua vida e se afirma como não crente, tem uma ideia da Igreja e da experiência da fé cristã que não se adapta à sua conceção de vida em liberdade. Nesta nossa sociedade ocidental, o homem afirma-se por si mesmo; é tecnicamente bem preparado; tem capacidade de intervir em todos os processos de desenvolvimento e até nos destinos do mundo mas, ao mesmo tempo, revela fragilidades. O Homem atual (homem e mulher) tem mais capacidade intelectual mas é frágil na sua capacidade de amar. Tem dificuldade em definir o sentido da sua existência. Afinal, vivemos por quê e para quê?

Como cristãos, temos a nossa interpretação acerca da pessoa humana: afirmamos que o homem é criatura de Deus, foi criado para a vida em comunhão com Deus e com os seus semelhantes e é na medida em que colabora com a felicidade dos seus semelhantes que se pode considerar verdadeiramente feliz. Temos em conta que todo o homem tem o seu santuário interior, a sua consciência, e que aí tudo pode acontecer de maravilhoso. Deus conhece-nos a partir desse mais íntimo do ser humano.

 

Mais uma vez, o Evangelho inspira-nos para um procedimento correto nestas situações de interpelação junto dos não crentes. Passando por Jericó (cf Lc 19,1-10), Jesus decidiu ir ficar a casa de um homem cuja fama não era boa entre os habitantes daquela cidade. Trata-se de Zaqueu, chefe de cobradores de impostos que Jesus manda descer da árvore onde ele se tinha empoleirado por ser de baixa estatura. Não sabemos o conteúdo de todo o diálogo entre eles mas, a verdade é que aquela aproximação foi decisiva para que Zaqueu modificasse a sua vida. Descobriu aquele homem outro estímulo de vida, um ideal onde os outros homens são considerados e estimados, onde a vida se vai definindo por uma constante partilha e onde o valor de cada pessoa não se mede pelos seus bens materiais mas pela grandeza da sua alma generosa.

Aprendemos, assim, com Jesus a ousadia e o interesse pelo não crente. Um olhar como o de Deus Pai. Deus não desistiu de ninguém e mantém o seu coração e olhar misericordioso como o Pai da parábola do filho pródigo. Jesus conseguiu tocar o coração de Zaqueu revelando-lhe qual era o seu verdadeiro valor enquanto pessoa e o sentido para a sua vida.

Os homens do nosso tempo, como Zaqueu, apesar de distantes e pecadores, são curiosos, são capazes do encontro com Deus, são sensíveis a valores que o Evangelho defende e aos testemunhos de vida quando tocada pela presença de Deus. Portanto, a nossa interpelação não pode acontecer como se fossemos donos ou senhores de uma salvação, mas como testemunhas de quem fez a experiência de ser salvo. Deus é misericordioso e é o seu amor que nos envolve e nos leva a interessarmo-nos, verdadeiramente, por outras pessoas que Deus ama igualmente sem que elas o reconheçam e o saboreiem.

Sobre esta interpelação, o Papa Francisco é claro: Todos têm o direito de receber o Evangelho. Os cristãos têm o dever de o anunciar, sem excluir ninguém, e não como quem impõe uma nova obrigação, mas como quem partilha uma alegria, indica um horizonte estupendo, oferece um banquete apetecível. A Igreja não cresce por proselitismo, mas «por atração». (EG 14)

 

 

“A ação missionária é o paradigma de toda a obra da Igreja”

O anúncio do Evangelho é a tarefa primária da Igreja” e, portanto, diz o Papa Francisco: “não podemos ficar tranquilos, em espera passiva, em nossos templos», sendo necessário passar «de uma pastoral de mera conservação para uma pastoral decididamente missionária». Esta tarefa continua a ser a fonte das maiores alegrias para a Igreja”. (EG 15)

O desafio do Papa Francisco incomoda porque nos desinstala. Necessitamos de cuidar da nossa conversão e vida espiritual para nos tornarmos, realmente, missionários. Ou seja, é indispensável a intimidade/comunhão com Cristo para recebermos d’Ele o zelo e a paixão profética. Na verdade, a missão da Igreja é a missão de Cristo. E Cristo é a Palavra por excelência em que devemos amar, guardar e pôr em prática. Ensina o Papa Francisco: Toda a evangelização está fundada sobre esta Palavra escutada, meditada, vivida, celebrada e testemunhada. A Sagrada Escritura é fonte da evangelização. Por isso, é preciso formar-se continuamente na escuta da Palavra. A Igreja não evangeliza, se não se deixa continuamente evangelizar. É indispensável que a Palavra de Deus «se torne cada vez mais o coração de toda a atividade eclesial» (E.G. 174)

 

A expressão “Nova Evangelização” é da autoria do Papa, agora canonizado, João Paulo II. Não é uma indicação de um programa pastoral, trata-se de um desafio que resulta de um olhar profético; é uma evangelização nova, por “um novo ardor, novos métodos e novas experiências”.

O importante na “Nova Evangelização” começa por ser o zelo do evangelizador. Não nos podemos desculpar com a indiferença ou o distanciamento dos outros. A preocupação ou atenção deve centrar-se na nossa conversão, uma vida em Cristo que se expressa, fraternamente, em alegria e entusiasmo. Não terá sido por acaso que o Papa Francisco decidiu proclamar o “Ano Santo da Misericórdia” a ter início no dia 8 de Dezembro deste ano de 2015; foi, certamente, para promover em toda a Igreja o Sacramento da Reconciliação, valorizando-o como sacramento de alegria na Nova Evangelização.

O Senhor Bispo de Lamego, D. António Couto, comentando o Sínodo de 2012, sobre a Nova Evangelização, em que participou, salienta assim a necessidade da conversão: Em causa está a vontade sincera de calcorrear novas estradas que, de acordo com a proposição 33, ponham “no centro da atividade pastoral da Igreja o sacramento da reconciliação” como “lugar privilegiado para receber a misericórdia de Deus e o perdão” e como “lugar de cura tanto pessoal como comunitária”. Por isso, (…) com “fidelidade às normas específicas que regulam a administração deste sacramento, cada sacerdote deve considerar o sacramento da penitência como parte essencial do seu ministério e da nova evangelização, e em cada comunidade paroquial deve ser destinado o tempo adequado para as confissões”. (in “Os desafios da Nova Evangelização, Paulus editora, 2014, p. 9)

 

Quanto aos “novos métodos e novas experiências” da Nova Evangelização, enquadra-se bem o que diz o Papa Francisco quando refere: Cada cristão e cada comunidade há-de discernir qual é o caminho que o Senhor lhe pede, mas todos somos convidados a aceitar esta chamada: sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho” (E.G. 20).

 

Somos convidados a sair. Sair de nós mesmos, vencendo o comodismo. Sair para olhar a humanidade com a mesma ternura da fé manifestada pelo discípulo e evangelista S. João: “Deus amou tanto o mundo, que lhe entregou o seu Filho Unigénito, a fim de que todo o que nele crê não se perca, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16). Olhar com compaixão. Olhar com a certeza de que se a sociedade será tanto melhor quanto melhor conhecer o Evangelho.

O Papa Francisco recorda-nos (cf  E.G. 262 e ss) que evangelizar nunca foi uma tarefa fácil. Por isso, os evangelizadores são os que rezam e trabalham, os que cultivam sempre um espaço interior que dê sentido cristão ao compromisso e à atividade, os que buscam uma vida transfigurada pela presença de Deus, os que, à maneira de Jesus, procuram a glória do Pai, os que, para manterem vivo o ardor missionário, vivem uma decidida confiança no Espírito Santo, porque Ele “vem em auxílio da nossa fraqueza” (Rom 8,26).

 

Que Nossa Senhora da Prontidão, como lhe chamou o Papa Francisco, que sempre acompanhou os missionários-discípulos do seu divino Filho, nos acompanhe também nos desafios missionários do nosso tempo.

-Seja louvado Nosso Senhor Jesus Cristo;

-Para sempre seja louvado e Sua Mãe, Maria Santíssima.

 

+ José Traquina, Bispo Auxiliar

V Domingo da Quaresma

Sé Patriarcal, 22 de Março de 2015

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