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Pe. Alexandre Palma
Cansaço, Sociedade e Igreja
O cansaço tornou-se como uma sombra na sociedade moderna. Sempre presente, o cansaço é algo de que não nos conseguimos livrar. Como um peso, arrastamo-lo sempre connosco. Seja sentido na primeira pessoa, seja como tópico de desabafo de terceiros, ele está aí. E não nos faltam reais motivos para que assim seja. As exigências de sempre da vida familiar. As crescentes imposições do mercado de trabalho. Os seus horários prolongados e cada vez mais variáveis. A dificuldade de encontrar tempos de repouso. A dificuldade em saber repousar nos (poucos) tempos de repouso de que conseguimos usufruir. O desgaste próprio da vida nas grandes cidades, com todo o stress que ele induz. No limite, este cansaço pode mesmo tomar a forma extrema de estados de depressão.

Que haverá de novo nisto? Dir-se-á, e com razão, que o cansaço não foi inventado com a vida moderna. É certo. Mas, até aqui, talvez o cansaço fosse sobretudo um problema individual. Agora, sem deixar de o ser também, ele vai-se tornando num autêntico problema social. Talvez seja isto que leva o filósofo Byung-Chul Han a afirmar que vivemos numa «sociedade do cansaço». Ele faz algo que, a meu ver, urge fazer: refletir acerca deste problema. Coisa rara, devo confessar! Para o autor, passámos de uma «sociedade disciplinar» para uma «sociedade da produção». Antes, o lugar social de cada um estava delimitado por um conjunto claro de proibições. Agora, na dita «sociedade da produção», esse lugar social é definido pelo verbo poder, por um poder «que não conhece limites». E aqui mora, na opinião de Byung-Chul Han (discutível, mas muito sugestiva), a raiz do nosso cansaço social. Inculcámos em nós esta convicção de que podemos sempre mais, que podemos produzir sempre mais. É isto que nos traz interiormente disponíveis para nos esgotarmos até ao limiar do precipício. Somos vítimas de nós mesmos, vítimas daquilo que ele chama «autoexploração» - uma forma bem mais eficaz de exploração! Este parece ser um efeito não previsto da convicção de que nada é impossível. Buscámos aí a liberdade e encontrámos esta outra forma de prisão.

Este é um problema que não deixa também a Igreja incólume. Também nela, nas suas estruturas e naqueles que lhe dão vida se pode notar como o cansaço vai ganhando estrutura social. Também no seu seio urge refletir acerca deste problema. Talvez nela se tenha também inculcado essa convicção de que se pode sempre produzir mais. Se sim, importa regressar às fontes da própria fé cristã. Estas de modo nenhum ignoram o valor do «des-canso» como tempo «im-produtivo». Na criação, descansando dos seus trabalhos, o próprio Deus institui o sétimo dia como «dia de repouso» (cf. Gn 2, 2). E Jesus, por mais de uma vez, convidou os seus a descansar junto a Si (cf. Mc 6, 31; Mt 11, 28). Importa, no fundo, em Igreja como em sociedade, (re)aprender a «libertar o tempo». E como em 2008 escrevia o Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura, «a verdadeira libertação do tempo é a que permitir o Homem».