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Pedro Vaz Patto
Pensamento único

Quando se começou a discutir a questão da legalização do “casamento homossexual”, os partidários dessa legalização apresentaram-na como uma reivindicação em nome da tolerância e do respeito pelo pluralismo. Muitas pessoas aceitaram, e aceitam, tal legalização, precisamente em nome dessa tolerância, mesmo que não concordem com a prática homossexual e não seja esse o seu modelo de casamento e família («é lá com eles» – ouve-se dizer a propósito).  É contestável que seja assim, que a redefinição do conceito ancestral de casamento seja uma exigência da tolerância. Eu próprio procurei demonstrar que não o é.

Mas aquilo a que cada vez mais vimos assistindo, é a uma completa inversão de perspetiva: da reivindicação em nome da tolerância e do pluralismo, passamos à intolerância e à imposição universal de uma determinada mundividência.

Demonstra-o a polémica recente em torno do projeto de lei de liberdade religiosa no estado norte-americano de Indiana. Foi aprovada neste estado uma lei de liberdade religiosa que segue o modelo de uma lei federal aprovada no tempo do presidente Bill Clinton e de várias leis já aprovadas noutros estados. Foi vigorosamente contestada a possibilidade de essa lei dar cobertura à recusa de colaboração, por razões de consciência, de pessoas e empresas prestadoras de serviços em “casamentos homossexuais”. Nos Estados Unidos vem sendo discutida a questão da recusa de proprietários de quintas ou restaurantes, pasteleiros, floristas, designers ou tipógrafos darem a sua colaboração a esse tipo de “casamentos”. Algumas dessas recusas já deram origem a condenações judiciais. Na Europa a questão também é discutida a propósito do projeto de diretiva sobre não discriminação na prestação de serviços.

Esse projeto de lei do estado de Indiana foi alvo de fortes pressões, com ameaças de boicote económico a iniciativas desse estado, que envolveram o mundo do espetáculo, como vem sendo hábito nestas questões, mas agora também grandes empresas e organizações. Por efeito dessas pressões, o governador republicano desse estado, em poucos dias, acabou por recuar e aceitou mudar a lei neste aspeto.

Para contestar esse aspeto da lei, invoca-se o princípio da não discriminação, que seria superior às exigências do respeito pela liberdade religiosa («não se pode discriminar em nome de Deus» - proclama-se com insistência).

Mas as recusas em causa não significam uma discriminação de pessoas. Não se trata de recusar serviços a pessoas homossexuais por estas serem homossexuais. Trata-se de recusar a colaboração em atos concretos que se consideram imorais ou uma forma de desvirtuar o casamento. Trata-se de um questão de consciência, não de uma qualquer aversão ou preconceito irracionais, ou de uma simples discordância política.

A não discriminação serve de pretexto para a imposição de uma mundividência a toda a sociedade. Já não se trata apenas de tolerar a prática homossexual, trata-se agora de proibir a discordância em relação a essa prática. A imposição deste pensamento chega ao ponto de prevalecer sobre a liberdade de consciência e religião, liberdade com um valor e um peso, no quadro dos direitos humanos, só ultrapassados pelo direito à vida, porque envolve aquilo que o Catecismo da Igreja Católica qualifica como «o núcleo mais secreto e o sacrário do homem, onde este se encontra com Deus». A objeção de consciência, verdadeira conquista civilizacional, que começou por ser reivindicada no âmbito do mais forte dever para com o Estado (o de defesa militar), é deste modo desvalorizada.

Esta mesma tendência já obrigou ao encerramento de agências de adoção britânicas que se recusaram a colaborar na adoção de crianças por uniões homossexuais. Revela-se na imposição da chamada ideologia do género em programas escolares, de escolas públicas e privadas. Revela-se na apresentação de queixas judiciais (nalguns casos na origem de condenações) contra pessoas que exprimiram a sua reprovação moral da prática homossexual.

Aquando da discussão sobre a legalização do casamento homossexual, houve quem alertasse para o perigo de se chegar a esta situação. Não usei esse argumento porque não me parecia ser esta uma consequência necessária dessa legalização. Mas é a isso que assistimos: da reivindicação de tolerância passamos à intolerância, da reivindicação do respeito pelo pluralismo passamos à imposição de um pensamento único. E já não é só a comunicação social e a cultura mais influente a militar no sentido dessa imposição. É também o poder económico.