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Guilherme d'Oliveira Martins
Fidelidade à pessoa na educação

«Crentes e não crentes estão geralmente de acordo neste ponto: tudo o que existe na terra deve ser ordenado para o homem, como seu centro e vértice». É a Constituição Pastoral «Gaudium et Spes» quem o afirma. E aqui a referência ao homem não se atém apenas ao masculino. É mulher e homem, é a «humanitas» que estão em causa, com origem na terra, no húmus. É a matéria-prima por excelência da educação que encontramos. Daí falar-se de pessoa, como «personna», na língua latina, e de «prosopon» na etimologia grega. É a máscara do teatro que define o carácter irrepetível de cada um. E a dignidade humana, numa perspetiva universal, baseia-se nesta natureza essencial. De que falamos, quando falamos de Educação? Do despertar das consciências para a liberdade e a responsabilidade. Da necessidade de valorizar a relação estabelecida face a face entre o educador e o educando. Mais importante do que todas as tecnologias, do que se trata é da ligação pessoa a pessoa. O triângulo escola, família e comunidade é, assim, determinante na arte de educar. O professor é o educador profissional, os pais e a família são os educadores naturais. A escola viva e atuante abre-se para a comunidade. E não devemos esquecer a etimologia da liberdade, já que «libertas» provém da qualidade da balança (libra) equilibrada e livre, na qual eu e o outro estão nos seus dois pratos. Do mesmo modo, responsabilidade é a capacidade de ter resposta perante o nosso próximo, em lugar da indiferença e da passividade. Eis por que razão o exemplo, a atenção e o cuidado são elementos fundamentais de uma atitude educativa respeitadora da pessoa humana, na singularidade e do sentido de comunidade. Sem exemplo não há capacidade para educar e para transformar a vida positivamente. Diz o povo «bem prega Frei Tomás, faz o que ele diz não faças o que ele faz». O certo é que a coerência entre o princípio e a prática só se alcança pelo exemplo. A atenção ao outro e ao que nos cerca torna-se, pois, fundamental e o cuidado (que está na origem da palavra caridade) é o corolário lógico dessa disponibilidade. Eis por que razão caridade não se confunde com assistencialismo nem com dó. Caridade é amizade (filia) e amor (agapé). O Papa Emérito Bento XVI explicou-nos muito bem como «Deus Caritas Est». E Maria de Lourdes Pintasilgo introduziu na linguagem das Nações Unidas o «cuidado do futuro», como exigente consequência de uma «cultura de paz» e de reconhecimento do outro. Paul Ricoeur disse que solidariedade se refere aos sócios e que caridade se reporta ao próximo. A pessoa está, assim, no centro da relação educativa – e a compreensão dos dons e da troca revela-se indispensável. Luísa Dacosta ensinou-nos, por isso, que, ao sair da sala de aula, o professor deve sempre perguntar-se quem ganhou mais naquele dia, se ele se o aluno… Sem entender a troca, não compreendemos a essência da educação. Só a diferença permite entender a identidade. Só a liberdade igual permite assumir a igualdade livre. E voltemos à Constituição Pastoral «Gaudium et Spes»: «A Bíblia (…) ensina que o homem foi criado à “imagem de Deus”, capaz de reconhecer e amar o seu Criador, que constituiu senhor de todas as criaturas terrenas, para as governar e usar, glorificando a Deus…» (G.S., 12). Daqui temos de partir, com abertura de espírito, autonomia crítica, respeito mútuo, curiosidade e rigor científicos. Temos de desenvolver o «saber de experiências feito». Como nos ensinou S. João XXIII na luminosa encíclica «Pacem in Terris», os direitos e os deveres são faces da mesma moeda, é como o direito e o avesso de uma tapeçaria muito bela. De facto, as linhas que revelam os magníficos desenhos são as mesmas que se veem aparentemente desordenadas no avesso. Deveres e direitos estão assim intimamente ligados. A criança ou o jovem na escola é já cidadão e pessoa na medida das suas capacidades. A escola não forma o cidadão de amanhã, considera desde já a cidadania como algo de presente, atual e atuante. «Para que cada um esteja mais bem preparado para fazer face às suas responsabilidades que para consigo mesmo, que para com os vários grupos sociais, deve procurar com empenho uma maior cultura espiritual, empregando os extraordinários meios de que o género humano dispõe hoje em dia» (diz ainda a Gaudium et Spes, 31). «Antes de mais, a educação dos jovens seja qual for a sua origem social, deve orientar-se de tal modo que forme homens e mulheres que não sejam só pessoas cultas, mas que tenham também uma forte personalidade de acordo com as exigências prementes do nosso tempo». Em nome da dignidade humana!