
Foi detido para interrogatório antes do 25 de abril, nunca se imaginou de batina nos corredores do Vaticano e reconhece ter sido “privilegiado no caminho de sacerdócio” que trilhou. No ano em que comemora 50 anos de sacerdócio, o cónego António Janela conta, ao Jornal VOZ DA VERDADE, algumas (das muitas) histórias que têm marcado a sua vida.
Nasceu em Luanda, Angola, em 1941. Com 14 anos veio viver para a Avenida João XXI, em Lisboa, e foi aluno dos liceus de referência da cidade, onde mais tarde, num deles, viria a ser professor de Moral. Durante esse tempo de estudante, “nunca tinha passado pela cabeça ser padre”, revela o cónego António Janela, ao Jornal VOZ DA VERDADE. “A decisão de entrar no seminário veio de fora. Com 16 anos, entrei na JEC (Juventude Estudantil Católica) e depois fui para a direção nacional como tesoureiro e essa militância foi muito importante para mim porque me fui apercebendo de que Nosso Senhor podia querer de mim mais alguma coisa. Um dia, estava a estudar para um ‘ponto’ de filosofia e a minha mãe estava com um ar muito triste. Eu perguntei-lhe o porquê e ela respondeu: ‘Olha filho, não vou ver netos!’. Eu disse-lhe: ‘Oh mãe, vai ver, sim’ e lembrei-lhe da minha irmã. E ela disse: ‘Não vou ter netos… de ti’. Eu achei aquilo estranho. Mais tarde, numa manhã, um colega de turma que veio ter comigo e contou-me algumas coisas da vida dele. Eu disse-lhe que isso era para falar com um padre. E ele respondeu-me: ‘Contigo é a mesma coisa’. Aquilo fez-me muita impressão”, conta o cónego Janela, ilustrando o momento em que decidiu ir para o seminário. “Era preciso haver quem se disponibilizasse para o serviço do Reino. A minha militância laical levou-me a pensar que teria de avançar um pouco mais. Muito simples. Foi o ato mais livre de toda a minha vida, foi como quem salta da prancha e mergulha... mas para uma piscina que estava cheia. Hoje, dou graças a Deus por isso, embora reconheça que, ao longo destes 50 anos, o que me pesa são muitas omissões”, revela.
Formação em mudança
A decisão da entrada no seminário não foi consensual para os seus pais, mas o cónego António Janela recorda o “profundo respeito” com que eles lidaram com a sua decisão. O seu pai “insistia” para que terminasse o curso de Economia para só depois pensar no seminário. “Achei que era uma perda de tempo”, recorda, lembrando-se da forma como o seu pai “voltou à prática da fé” após a sua ordenação. “Um dia disse-me que gostaria de voltar à Igreja e depois revelou-me que nunca deixou de fazer a sua oração da manhã e da noite. Este é o cordão umbilical que faz com que nunca percamos a comunhão com Deus Pai”, afirma, sorridente.
O tempo de formação no seminário (1958-1965), do então jovem António Janela, dá-se, precisamente, nos anos anteriores ao Concílio Vaticano II. “Foi uma formação em mudança”, afirma o sacerdote, descrevendo o início do Concílio, na Igreja de Lisboa: “O Concílio inicia-se com uma crise no clero, a começar em Lisboa. Não foi fácil. Muitos sacerdotes entraram numa crise que os levou à saída. Eu tive a sorte grande de ter vivido sempre com outros sacerdotes, em equipa”. Passados quatro anos, e com “alguns problemas com a situação política”, o Cardeal Cerejeira enviou para Roma o padre Janela, para estudar. “Fiz o que me mandaram. Formei-me em Ciências Sociais, na área da Sociologia e depois, em 1972, voltei a Portugal e à Ação Católica como assistente nacional, também num período muito difícil, pré 25 de abril”, lembra o sacerdote que foi viver, nesse período, para a paróquia de São Nicolau, em Lisboa, tendo sido nomeado pároco com 33 anos. “A nomeação de pároco era, normalmente, no final de uma caminhada, mas nunca tão novo. Por isso, fui, durante 10 anos, o pároco mais novo de Lisboa”, refere.
Em 1973, o Patriarca D. António Ribeiro mandou o padre Janela dar aulas na Universidade Católica, onde em 1979, se tornaria regente da cadeira de Sociologia. Durante essas funções, continuou sempre pároco, “nunca deixando a vida pastoral”. Após os 6 anos dedicados à universidade, o padre António Janela achou ter chegado o momento de se dedicar à preparação da sua tese de Doutoramento. “O Patriarca D. António Ribeiro pediu-me que antes do doutoramento fosse para a paróquia de Olivais Sul porque a situação naquela comunidade era muito complicada, era necessária a pacificação de alguns problemas e havia a necessidade de avançar com a construção da igreja paroquial. Essa foi uma experiência muito rica porque não foi só construir a igreja, mas fazer Igreja”, revela o sacerdote jubilado.
Discípulos missionários
Apesar de ter surgido a possibilidade de ser enviado para Roma, com a finalidade de trabalhar na Secretaria de Estado do Vaticano, o cónego António Janela revela que não se via “de batina nos corredores da Santa Sé”. No dia 1 de maio de 1989, recebe o convite para fazer parte da equipa formadora do Seminário dos Olivais. Em sua casa, o padre Janela recebe o então reitor do Seminário dos Olivais, D. José Policarpo, que dá a conhecer o desejo expresso do Cardeal-Patriarca, D. António Ribeiro, de ter na equipa formadora do seminário diocesano “alguém que fosse do tempo do início do Concílio Vaticano II”. “Perguntei, de imediato, quem era o vice-reitor. Ele respondeu: ‘Manuel Clemente’. Então vou!”, respondeu o padre Janela, que lembra o atual Cardeal-Patriarca de Lisboa como um “homem de profunda oração, grande simplicidade, grande capacidade de organização e com uma qualidade extraordinária, que invejo – começar sempre por ver o que há positivo e só depois reparar no que há de negativo”.
Os 11 anos que passou na equipa formadora do Seminário dos Olivais – missão que acumulou com as aulas na Faculdade de Economia da Universidade Católica, com o trabalho no CEP - Centro de Estudos Pastorais e com a Escola de Leigos –, “foram muito ricos”, revela o sacerdote, que após as funções no seminário diocesano abraçou, de novo, a missão de pároco, mas na Portela, onde esteve até 2010 – data em que é colocado como pároco na paróquia do Coração de Jesus, no centro de Lisboa, e onde está implementado o IDFC - Instituto Diocesano da Formação Cristã do Patriarcado de Lisboa, ao qual preside. “O IDFC visa uma formação para a missão, para formar discípulos missionários que sabem as razões da sua fé, e que estão prontos a dar testemunho na vida familiar, profissional e cívica”, define o cónego António Janela, referindo-se à diferença entre uma paróquia “com grande vitalidade”, como a Portela, para uma paróquia com menor número de paroquianos, no coração de Lisboa. “Na paróquia do Santíssimo Coração de Jesus, tenho 7 crianças na catequese e uma comunidade neocatecumenal” - movimento que também ajudou a iniciar na paróquia de Olivais Sul e que considera “uma formação muito boa”. “A experiência neocatecumenal foi muito rica. Eu vi o que foi a mudança de 30 anos nas pessoas”, afirma. Para além das tarefas paroquiais, o cónego Janela divide-se entre as equipas de casais e o Movimento Vida Ascendente - Movimento Cristão de Reformados. Há, no entanto, uma missão que lhe dá “um gozo muito grande”. “Vou ao estabelecimento prisional anexo à Polícia Judiciária. Tem sido muito gratificante. Só celebro Missas quando há festividades e batismos e já fizemos quatro, desde 2010”, revela o sacerdote.
Quando questionado sobre a caminhada sinodal na Diocese de Lisboa, o cónego Janela prevê como fruto “uma consciência mais ativa e interventiva do povo de Deus, nomeadamente dos leigos”. “O leigo é membro do povo e isso ainda não está devidamente assimilado. Vejo uma Igreja que se vai desclericalizando para ser uma Igreja em que o povo de Deus vai assumindo, cada vez mais, uma consciência de participação corresponsável e daí se falar em ‘discípulo missionário’. É um dos frutos que eu espero do Sínodo”, deseja o sacerdote que vai cumprir, no dia 15 de agosto, 50 anos da ordenação, prevendo algumas consequências das possíveis mudanças: “Eu vejo que a nossa diocese tem muito bom laicado e clero. Provavelmente, numa situação de mudança, há naturalmente rupturas porque hoje a unidade não é a uniformidade e a unidade é uma coisa que nunca está feita, vai-se fazendo e só é possível numa conversão pessoal. Estou convencido de que os problemas da diocese se vão resolvendo a partir de um laicado mais assumido”.
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“Uma entrega que é sugestiva para todos nós”
O Cardeal-Patriarca de Lisboa destacou a entrega do cónego António Janela ao acompanhamento dos casais e à formação cristã na Diocese de Lisboa. “A entrega do cónego António Janela à Pastoral Familiar e à Formação é sugestivo para todos nós. Recordo o seu grande interesse pela formação, que continua hoje com o mesmo entusiasmo que o Evangelho dá e que leva a ultrapassar as dificuldades, na esperança de um fruto que não passará”, frisou D. Manuel Clemente, no passado dia 15 de maio, na Missa celebrada na igreja do Santíssimo Coração de Jesus, em Lisboa, por ocasião do jubileu sacerdotal (50 anos) do cónego António Janela. Nesta celebração, o Cardeal-Patriarca recordou o tempo em que começou a colaborar com o padre Janela no CAPJ - Centro de Animação da Pastoral Juvenil e depois, mais tarde, na equipa formadora do Seminário dos Olivais.
O cónego Janela foi ordenado em 15 de agosto de 1965 e D. Manuel Clemente lembrou os colegas de curso deste sacerdote, que também completam, este ano, o seu jubileu sacerdotal. “Este é um curso muito especial na história da nossa diocese. Tiveram como missão levar por diante a reforma que o Concílio quis, que em parte se conseguiu, fora o que ainda está por fazer”.
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A história da Capela do Rato
São muitas as histórias que, por estes dias, são recordadas por amigos e familiares que convivem de perto com o cónego António Janela. Dos amigos, recorda-se dos inúmeros leigos que o “confirmaram na fé” e também de sacerdotes como monsenhor José de Freitas e o padre Armindo Duarte, que “foram muito importantes” no caminho “privilegiado” que fez. De entre todos, o cónego Janela revela ter existido um que se destacou. “O nosso líder era o padre Alberto Neto, que foi assassinado. Viveu como profeta e morreu como profeta e havia uma proximidade grande”, revela. Juntos viveram um episódio arriscado que é recordado pelo cónego António Janela. “No período anterior ao 25 de abril de 1974, o padre Alberto era o capelão da Capela do Rato, por ser o assistente diocesano da JEC. Quando ele estava doente, houve uma ocupação da capela por um grupo de cinco cristãos. Perante essa situação, que criou um grande melindre político, o então Patriarca D. António Ribeiro chamou-me e disse para tomar conta daquela capela. Arriscou ali o seu cardinalato! Foi um ato corajoso”, refere o sacerdote, lembrado do episódio que aconteceu na passagem do ano de 1972 para 1973. “No final da celebração de sábado, o grupo leu um comunicado, onde afirmava que iria fazer uma vigília pela paz, sem hora para terminar. No dia seguinte, celebrei a Missa dominical, às 11h00, ainda com a capela ocupada mas sem qualquer perturbação. Nessa celebração li a homilia, que foi preparada pelo padre Alberto Neto, pelo padre Armindo Garcia e por mim. De Domingo para segunda-feira comemorava-se a passagem do ano. Horas antes, fui ao Governo Civil onde me deram ordem para não celebrar nessa dia e eu contestei, argumentando que tinha ordens do meu Bispo para celebrar. Por isso, após a celebração de dia 31 de dezembro para 1 de janeiro de 1973, a polícia selou a capela”, conta. “No dia 1, fui ler a minha homilia ao Patriarca Ribeiro que concordou inteiramente. Quando cheguei à capela, pouco antes de começar a celebração, estava um polícia à porta, e eu disse-lhe: ‘Senhor guarda, o seu chefe e o meu chefe estão, neste momento, a falar um com o outro, em Belém. Ora, o senhor recebeu indicações para não deixar ninguém entrar mas o meu Patriarca disse-me para entrar. Por isso, eu entro e, depois, o senhor faça o que entender’”, lembra, hoje, sorridente, o cónego Janela, relatando as consequências do seu ato: “Quebrei os selos e entrei. Já depois da celebração ter terminado, ouço uma voz do famoso capitão Maltez – que era o repressor dos movimentos estudantis – a perguntar-me se o podia acompanhar. Na companhia do padre Armindo, fomos, durante 300 metros, até à esquadra da polícia, no Rato. Cá fora, havia um grande e desproporcional aparato. Depois do primeiro interrogatório, fui levado para a DGS (Direcção-Geral de Segurança). Ali fui interrogado, com aquelas técnicas, como vem nos livros, com muitas luzes, de um lado o polícia bom e, do outro, o polícia mau”, lembra. “Pelas 4h00 da manhã, a porta da sala onde estava a ser interrogado abriu-se ligeiramente e eu vejo passar o secretário do senhor Patriarca, o padre Pires. Soube, mais tarde, que o senhor Patriarca estava no piso inferior a dizer-lhes: ‘Ou ele sai imediatamente ou eu vou daqui à morada do Primeiro-Ministro, Marcelo Caetano’. Nos dias seguintes tive vários interrogatórios, mas eles não podiam avançar porque sabiam, por escutas telefónicas, que foi por ordem do Patriarca que eu quebrei os selos da Capela do Rato para celebrar”, recorda o cónego Janela.
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