Tem 24 anos e quer ser padre. Aos 18 decidiu entrar no seminário. No ano passado, em Agosto, teve de fugir da sua terra para não ser morto pelos jihadistas do “Estado Islâmico”. Antes de partir, foi à Igreja buscar o Santíssimo para não ser profanado. Há histórias que nunca mais se esquecem.
6 de Agosto de 2014. Na povoação cristã de Karamlesh, há uma agitação em todos os rostos, correrias, pessoas que tentam atabalhoadamente arrumar coisas nos carros. É um frenesim apocalíptico. Martin Baani, 24 anos, ainda acredita que os soldados curdos, os peshmerga, consigam suster o avanço dos jihadistas. É deles que todos fogem. Do terror que os acompanha. Todos sabem que estes terroristas são implacáveis perante os cristãos nas zonas que controlam. Há histórias terríveis de pessoas assassinadas, de mulheres violadas por não se quererem converter ao Islamismo. E ali, em Karamlesh, ninguém quer mudar de religião, ninguém quer atraiçoar a sua fé. Por isso, só lhes resta fugir. Ou morrer. Martin é seminarista. Há muito que na sua vida acalenta o sonho de ser padre. Já é noite, mas as ruas estão iluminadas pelos faróis dos carros. O ruído dos motores não abafa os estrondos das bombas, as balas a serem cuspidas pelas metralhadoras. Eles aproximam-se. O telefone de Martin toca. São nove e meia. É um amigo que está em Tal Kayf, uma cidadezinha um pouco mais a norte de Mossul. Ele diz, atropelando as palavras, que a cidade acabara de ser ocupada pelos jihadistas.
Partir
Toda a região estava a ser conquistada pelos homens vestidos de negro. Um outro amigo telefona-lhe a dizer que têm de fugir. Martin fala com o Padre Paul Thabet, o seu pároco, e pergunta-lhe o que fazer. O tempo urge. O telefone volta a tocar. Desta vez é o Bispo de Mossul a pedir-lhes - a ordenar-lhes - que partam o quanto antes. Não havia mais tempo a perder. Martin e o Padre Paul atravessam a rua até à Igreja de Santo Addal. É preciso salvar o Santíssimo e alguns dos livros sagrados mais antigos que a igreja conserva e que atestam bem a presença cristã na região em mais de 1800 anos. A população está toda em fuga. São centenas de carros que atravessam a noite numa fuga para Erbil. “Fomos certificar-nos de que ninguém tinha ficado para trás.” Num dos carros está Martin e mais quatro sacerdotes. O Padre Thabet vai ao volante. Levam o Santíssimo como quem guarda o tesouro mais precioso. Com eles, com todos os que estão em fuga, numa caravana imensa de carros atulhados de pessoas e coisas, partem os últimos habitantes de Karamlesh. São duas e meia da manhã. O carro de Martin e do Padre Paul é o último a sair da aldeia. É o fim da presença cristã na região. Martin não tinha, então, noção de que era uma viagem sem retorno. “Apenas trouxe comigo o passaporte, o cartão de identidade, o telemóvel e o computador. Ainda olhei para o computador e tive dúvidas. Pensei se deveria levá-lo ou não. Naquela altura tinha a certeza de que estaríamos fora apenas uns 2 dias. Tudo o resto ficou no meu quarto!”
A viagem
Foram 10 horas de viagem. Normalmente, em apenas 45 minutos chega-se a Erbil. Mas era preciso fugir a confrontos com os jihadistas. Em vez da estrada principal, optaram por caminhos secundários, por montes e vales. “Temi pela minha vida”, diz hoje Martin. Quando chegaram a Ankawa, um subúrbio cristão de Erbil, Martin começou logo a ajudar aquela multidão de refugiados, que, como ele, estavam por ali, perdidos. Muitos perguntavam-lhe: “Onde está Deus? Como pode estar a acontecer-nos isto?” Naqueles dias, o desespero tomou conta de todos. Mas, apesar disso, Martin recorda-se de que as pessoas rezavam espontaneamente, entregando-se nas mãos de Deus. “Estávamos todo o dia a rezar. Sempre que estávamos junto da Cruz, todas as noites, na nossa oração dizíamos: ‘Deus ajuda-nos a voltar para as nossas aldeias’. Todos os dias rezávamos esta oração. Todos sabemos que isto não foi uma coisa má que Deus nos fez, porque todos sabemos que Deus toma conta de nós. Deus está connosco e protege-nos.”
Março 2015
Março de 2015. Martin está agora no seminário de São Pedro, em Ankawa, no norte do Iraque. Não é fácil recordar aquela noite em que todos fugiram para salvar a vida. Martin nunca mais irá esquecer os rostos em pânico de tantos homens, mulheres e crianças, mas essa memória dá-lhe uma certeza ainda maior, agora que está quase a ser ordenado sacerdote. A sua decisão está tomada. Martin quer ficar no Iraque, quer ajudar o seu povo, quer restituir a esperança a milhares de pessoas que foram escorraçadas das suas casas, que perderam tudo o que tinham. Martin poderia facilmente partir para outro país. Para os Estados Unidos, por exemplo, onde tem família. Mas isso seria desertar. “Eu quero ficar. Eu não quero fugir do problema. Temos que lutar pelos nossos direitos, não devemos ter medo.”
Utopia
O regresso a casa é agora a utopia. Não vai ser fácil nem ninguém consegue sequer saber quando será possível. Mas é um sonho. “Quero servir o meu povo. Esta é a minha vocação. Amo o meu país, o meu povo. Tenho de ficar e servi-lo. Não há muitos padres por aqui. Por isso, decidi ficar para ajudar a reerguer o país. Não podemos fugir. Temos de trabalhar com as nossas crianças. Temos de as ajudar e educar a viver e a respeitarmo-nos uns aos outros. Não como muçulmanos ou cristãos, ou membros de qualquer outra religião, mas como seres humanos.” Martin tem um sonho: “Quero ser ordenado padre na minha aldeia em Karamlesh.”
Ninguém pode prever o futuro. Se tudo correr bem, será ordenado sacerdote no próximo ano, em 2016. Nesse dia, Karamlesh estará certamente no seu coração. Mesmo que Martin não esteja lá. Não quer adoptar este seminarista?
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ADOPTE UM SEMINARISTA NA ORAÇÃO
Martin faz parte de uma lista de 28 seminaristas, em Erbil, que a Fundação AIS apoia todos os anos mas sem o seu apoio estes jovens não poderão responder ao chamamento de Deus. Por isso pedimos que reze diariamente por um destes seminaristas. Para aderir a esta iniciativa basta entrar em contacto com a AIS.
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