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Pedro Vaz Patto
Mediterrâneo
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Desde a visita do Papa Francisco a Lampedusa, a Europa e o mundo despertaram mais atentamente para a gravidade da tragédia que vem ocorrendo no Mediterrâneo. No seu discurso ao Parlamento Europeu, o Papa apelou a que este mar não se transforme num «grande cemitério». Os milhares de mortos dos últimos naufrágios tornam ainda mais premente esse apelo.
Uma iniciativa do Serviço Jesuíta aos Refugiados, a que se associaram várias organizações cristãs (entre nós, a Cáritas e a Comissão Nacional Justiça e Paz, entre outras) propôs ao Parlamento Europeu a criação e reforço de vias legais e seguras de entrada na União Europeia, porque só dessa forma será possível evitar o recurso à travessia marítima em condições que colocam em risco a vida de muitas pessoas, explorados por redes de tráfico.
Mas há quem considere utópica esta postura de acolhimento dessas pessoas e advogue, antes, a punição dessas organizações criminosas e o puro e simples fecho de fronteiras.
Importa salientar que entre os aspirantes à entrada na União Europeia, há refugidos e imigrantes.
Tanto quanto é possível saber, a maioria dessas pessoas integra-se na categoria dos refugiados, que fogem de perseguições, da guerra e da morte (alguns deles são cristãos da Síria e do Iraque). Um deles afirmou a um jornalista: «não vou em busca de uma vida melhor, vou em busca da vida». Não pretendem instalar-se definitivamente na Europa e desejariam regressar aos seus países logo que a situação destes melhore.
O dever de acolher estas pessoas deriva, pois, do dever de proteger a vida humana.
Também há quem diga que, ao salvar as pessoas que chegam à Europa através de redes de tráfico, se incentiva a vinda de mais pessoas nessas condições (portanto, seria melhor deixá-las morrer, para desincentivar a vinda de outras - é a ideia subjacente a esta tese, embora não expressa com esta crueza). Mas o dever de proteção da vida é incondicional, não está sujeito a este tipo de cálculo de consequências. E, de qualquer modo, uma vez que essas pessoas fogem da morte, o seu desespero leva-as a aceitar os riscos da travessia nas condições mais precárias e inseguras. Não são os naufrágios que as desincentivam, como se viu desde que foram reduzidas as capacidades de salvamento com o fim da operação Mare Nostrum.
É justo que o acolhimento destes refugiados seja repartido pelos vários países europeus, de acordo com as disponibilidades de cada um deles, sem fazer recair os encargos respetivos apenas sobre países limítrofes, como Itália, Malta ou Grécia. Seja como for, sobre nenhum país europeu recairão encargos tão pesados como o de países mais pobres do Médio Oriente, vizinhos dos de proveniência dos refugiados, como a Jordânia ou o Líbano. Este, com uma população de quatro milhões, acolhe atualmente cerca de um milhão de refugiados.
Os imigrantes não correm os mesmos perigos e buscam, na verdade, uma vida melhor. Para garantir que consigam alcançar essa vida melhor, justifica-se o controlo dos fluxos migratórios, em função das possibilidades de emprego nos países de destino.
É certo que também há quem defenda a ausência desse controlo, porque, como já defendiam os pioneiros do liberalismo económico, a longo prazo se atingirá um equilíbrio da oferta e da procura de emprego. Mas até se atingir esse equilíbrio, podem recair sobre os candidatos à imigração danos e sofrimentos irreversíveis.
O crescimento da economia europeia de há muito que depende do contributo de imigrantes e dependerá ainda mais, à medida que se foram acentuando os efeitos da queda da natalidade.
Para além de tudo isto, há que agir sobre as causas, e não apenas sobre os efeitos, como também afirmou o Papa Francisco no seu discurso ao Parlamento Europeu. Isso significa pôr termo às guerras e perseguições de que fogem os refugiados e à pobreza de que fogem os imigrantes.
Afirmou o cardeal Reinhard Marx, presidente da Comissão dos Episcopados da Comunidade Europeia (COMECE) que esta questão é um teste revelador da medida em que a Europa toma a sério os valores humanistas em que se funda. As raízes cristãs da Europa também se refletem aqui, não são uma declaração formal sem consequências. Também já alguém disse que os valores da Europa não podem afundar-se no Mediterrâneo.
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