É o país mais pobre das américas. Em Janeiro de 2010 sofreu um dos mais furiosos terramotos de que a humanidade tem memória. Hoje, cinco anos depois, quase tudo está ainda por reconstruir. O maior drama é que o mundo já se esqueceu do Haiti.
Ricardo Couto, tenente da Polícia Militar de Pernambuco, estava em Port-au-Prince integrado numa força de paz das Nações Unidas quando a terra começou a tremer. Faltavam exatamente dez minutos para as cinco horas da tarde do dia 12 de Janeiro de 2010. O contentor, que servia de escritório e de posto de comando das operações da ONU, começou a tremer com uma violência tal que o deixou petrificado. “Vi o mundo literalmente balançar à minha frente. Num primeiro momento, pensei que alguma coisa muito pesada estava a bater no contentor. Todas as coisas do escritório caíram em cima de mim. Uma militar do Canadá estava colada ao chão, cheia de medo. Tive que forçá-la a sair dali. Após isso, o tremor continuou e aumentou. De repente, ouvimos um barulho terrível que vinha do chão, como se alguém estivesse a atirar uma bomba para cima de nós.” Foram segundos que pareceram uma eternidade. “Foi literalmente a pior sensação que já senti em toda a minha vida, pois senti-me totalmente inútil, sem poder fazer nada diante da grandeza daquilo.”
Rezar para não morrer
Quando a terra acalmou, Ricardo saiu do comando e o que viu ficou-lhe para sempre gravado na memória. “O caos e o pânico estavam instalados. Vi cenas que só vejo em filmes: crianças mortas nos braços das suas mães, pais que pediam ajuda, pessoas mortas no meio da rua, casas completamente destruídas, lacerações gravíssimas, idosos que necessitavam de atenção médica urgente.”
O tenente dirigiu-se para o hotel Christopher, que funcionava como sede das forças da ONU. Quando lá chegou deparou-se com um autêntico holocausto. O edifício, outrora um dos símbolos da capital do Haiti, estava reduzido a escombros. Os seis andares tinham colapsado, esmagando na queda todos os que se encontravam no seu interior. Muitos eram conhecidos do tenente Couto. Alguns eram até seus amigos. Agora estavam mortos. “Naquele momento, só se tem uma opção: rezar para também não se morrer.”
Dali, das ruínas do hotel Christopher, Ricardo Couto sabia que toda a cidade estava praticamente em ruínas, mas não podia calcular a real dimensão da tragédia. Nem seria possível. O terramoto provocou mais de 300 mil mortos e a destruição de toda a cidade. Ainda hoje, dez anos depois, as marcas do desastre estão presentes em todo o lado. Há demasiados prédios ainda em escombros, demasiadas ruínas, demasiadas pessoas enlutadas que não conseguem esquecer esses minutos fatais do dia 12 de Janeiro de 2010. Como esquecer?
“Sofri muito”
Renel Gilles era, então, seminarista. Desde esse dia considera-se uma pessoa afortunada. Ficou ferido, assustou-se, é verdade, mas sobreviveu. “Parti o pé direito e o braço esquerdo. Sofri muito, mas, apesar de tudo, dessa dor, estou muito confiante.” Não morreu. Outros tiveram menos sorte. Não sobreviveram. Eram amigos, colegas, estavam todos juntos na mesma aventura que os levou um dia dos bancos da escola ao seminário. Todos queriam ser sacerdotes, oferecer a vida a Deus. Alguns ficaram ali, esmagados naquele tremor de terra. Mas ninguém foi esquecido. Até hoje.
D. Launay Saturné foi ordenado bispo de Jacmel em Abril de 2010, apenas três meses após o terramoto. Hoje, não tem dúvida em afirmar que o país não está melhor. Infelizmente. “Antes do terramoto, a situação no Haiti era difícil. Depois, passou a ser catastrófica.” Qualquer pessoa em Port-au-Prince sabe como estas palavras são trágicas na sua verdade. A catedral ficou então parcialmente destruída e hoje, cinco anos depois, continua esventrada, incompleta. Uma ruína. O mesmo acontece um pouco por todo o lado.
E as pessoas…
Pior do que os edifícios, são as pessoas. Pior do que as ruas cheias ainda de entulho das paredes que caíram, dos prédios que se desfizeram, estão as pessoas que tendo sobrevivido ao terramoto ainda hoje têm pesadelos com o que aconteceu naquela tarde de Janeiro, quando faltavam dez minutos para as cinco da tarde. Morreram mais de 300 mil pessoas. O tremor de terra fez colapsar praticamente toda a cidade. Um milhão e meio de haitianos ficou, de um dia par a o outro, sem casa, sem nada. Ainda hoje, cinco anos depois, milhares de pessoas vivem em tendas, em espaços improvisados, provisórios. O mundo parece que esqueceu esta tragédia, como se ela tivesse passado o seu prazo de validade. O mundo ignora as lágrimas dos que, todos os dias, continuam a lamentar a sua sorte, dos que continuam a viver em vidas improvisadas. Quando se assinalou o quinto aniversário do terramoto, o Papa Francisco, afirmou que “há muito trabalho por fazer”, ainda, mas que “não há verdadeira reconstrução sem reconstrução da pessoa na sua plenitude e isso supõe que cada pessoa no Haiti tenha o que é necessário do ponto de vista material, mas também que, ao mesmo tempo, possa viver a sua liberdade, as suas responsabilidades e a sua vida religiosa e espiritual”.
Pedidos de ajuda
Nos últimos tempos, desde o início do ano, registaram-se vários assaltos violentos contra religiosas e sacerdotes, o que tem vindo a aumentar o clima de insegurança que se vive em todo o lado.
A Fundação AIS tem estado ao lado da igreja haitiana desde o primeiro momento, desde que a terra tremeu e trouxe a desgraça absoluta a este povo. Onde havia igrejas magníficas, há hoje edifícios em ruína. Os seminaristas passaram a estudar em tendas e assim continuam. Mas lá dentro não se reza com menos fervor. Pelo contrário. Ronald Petit-Homme também sobreviveu ao terramoto e também chorou a morte de camaradas e amigos. A tragédia de janeiro de 2010 não o deixou indiferente. Sobreviveu. “Quando Deus escolhe, é preciso responder.” A Igreja do Haiti continua ferida, continua a precisar da nossa ajuda. Continua a pedir as nossas orações. Não os podemos esquecer.
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