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Nigéria: um país sequestrado pelo Boko Haram
Testemunhos de fé
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Milhares de mortos, mais de 1 milhão de refugiados, cidades destruídas. Semeando o terror e o medo, o Boko Haram tem posto à prova a fé deste povo. E, apesar dos atentados, as igrejas continuam cheias de gente.

 

O Padre Elias Kabuk não esconde o nervosismo. Ainda agora, no primeiro domingo de Julho, um duplo atentado na cidade de Jos, contra uma mesquita e uma igreja, deixou um rasto de sangue. Quase meia centena de mortos. Ir à Missa, na Nigéria, pode custar a vida. O Padre Elias fica inquieto com estas notícias. Em 2011, tinha sido ordenado sacerdote há apenas dois anos, a sua igreja e casa paroquial foram destruídas por um incêndio. Tal como o atentado de 5 de Julho, o ataque contra a igreja do Padre Elias foi obra do grupo islâmico Boko Haram. “Na altura do incêndio, tive sorte. Não estava lá.” Se os terroristas o tivessem apanhado, ninguém imagina o que poderia ter-lhe acontecido. “A cabeça de um sacerdote vale muito”, diz, confessando que o país vive num verdadeiro clima de guerra e que os Cristãos estão na mira das armas do Boko Haram. A igreja do Padre Elias ficou completamente destruída. As paredes calcinadas são a triste memória dos dias em que o templo se enchia de cânticos e as pessoas louvavam a Deus sem medo. Agora tudo mudou. “Mesmo assim, continuamos a celebrar a Missa com regularidade”, diz o Padre Elias Kabuk. “Mas é na rua, ao ar livre. Não temos dinheiro para construir uma nova igreja.”

 

Califado do medo

Não são só os Cristãos que sofrem com a violência insana do Boko Haram. Também os Muçulmanos moderados, que defendem a paz e a coexistência pacífica entre todas as religiões, estão na mira dos terroristas que pretendem a instauração de um califado na região norte da Nigéria, à semelhança do que o auto-proclamado “Estado Islâmico” fez nas regiões que controla no Iraque e na Síria. Dois dias antes do atentado contra a igreja em Jos, homens armados irromperam numa mesquita, num vilarejo perto do lago Chade, e dispararam indiscriminadamente sobre os fiéis. Foi em pleno Ramadão. Noventa e sete pessoas perderam a vida no espaço de alguns segundos. Sábado, 11 de Julho. Um bombista suicida, disfarçado de mulher, fez-se explodir num mercado no centro de N`Djamena, capital do Chade, causando a morte de dezassete pessoas, num atentado reivindicado pelo grupo radical Boko Haram.
O Boko Haram controla vastas áreas no nordeste da Nigéria e actua para lá das fronteiras do país, entrando nos Camarões, por exemplo, onde possuiu como que uma espécie de quartel-general. A situação tornou-se insustentável a nível regional e a Nigéria, o Níger, o Chade e os Camarões decidiram a criação de uma força multinacional para suster a ameaça dos islâmicos. Final do mês de Abril. Operações militares nos “santuários” do Boko Haram permitem a libertação de largas centenas de pessoas, mas também a descoberta da crueldade destes terroristas. Valas comuns com centenas de corpos são a legenda terrível do “califado” de terror do Boko Haram.

 

Centenas de mortos

Janeiro de 2015. A cidade de Baga é atacada pelo Boko Haram. Os relatos que chegam de lá são perturbadores. Fala-se em mais de dois mil mortos. A destruição é tanta que imagens satélite permitem mostrar um “antes” e um “depois” da chegada tumultuosa dos islâmicos. Levaram tudo pela frente. Fala-se no “mais mortífero massacre” na história do Boko Haram. Centenas de corpos ficaram espalhados pelas ruas da cidade. A maior parte dos que morreram foram os que não conseguiram fugir a tempo: crianças, mulheres, idosos. Ninguém imagina o horror. Os islâmicos dispararam rajadas de metralhadora e lançaram granadas sobre qualquer pessoa que avistassem. Muitos feridos acabaram por morrer, num sofrimento indizível. Desde 2001 que a Nigéria está sob ataque. Aos milhares de mortos – calcula-se que mais de 10 mil – há que adicionar cerca de 1 milhão e meio de desalojados. Pessoas que foram obrigadas a fugir de suas casas para não serem mortas pelos terroristas.

 

A história de Suradjo

O Boko Haram tem radicalizado as pessoas. Suradjo Hamadu tem 18 anos. Os pais converteram-se ao Islão. Ele manteve-se fiel ao Cristianismo. A princípio, tudo correu bem, até que os líderes muçulmanos locais começaram a exigir-lhe que mudasse também de religião. “Os meus pais disseram-me que me matariam se eu fosse mais alguma vez à igreja”. Foi. Nesse dia, os próprios irmãos perseguiram-no com facas e machados para o matarem. Refugiou-se em casa de uma família cristã. Agora vive num quartel militar que acolhe dezenas de nigerianos que fugiram do Boko Haram. Adama Asuma é uma dessas pessoas. Ainda hoje fica em lágrimas, num pranto descontrolado, quando recorda o massacre da sua aldeia pelos islâmicos. Ela salvou-se, correndo, sem se atrever a olhar para trás. Foi há oito meses. “Ainda hoje não sei o que aconteceu aos meus pais.”

 

Refugiados em igrejas

O Padre Evaristus Bassey, director executivo da Caritas da Nigéria, passa os dias a tentar ajudar os refugiados desta verdadeira guerra. Ele salienta o trabalho único da Igreja no acolhimento destas pessoas que perderam tudo o que tinham e que, de um momento para o outro, se transformaram em refugiados. “Muitos deles estão hospedados em estruturas da Igreja”, diz o Padre Evaristus. “Por exemplo, a Catedral de Santa Teresa, em Yola, a capital do Estado Adamawa, acolheu cerca de 270 pessoas na casa do Bispo, no oratório e na escola. Há também desalojados que foram recebidos em igrejas e famílias que abriram as suas casas, apesar do peso económico que isto comporta”.

Estes são dias terríveis para os cristãos na Nigéria. Há um clima de guerra que ninguém pode desmentir. Apesar das operações militares, o Boko Haram continua activo e talvez mais mortífero do que nunca. Igrejas, escolas, mercados são alvo de atentados terroristas. Há uma mancha de sangue que continua a escorrer na Nigéria. Os Cristãos são um dos principais alvos destes islâmicos que procuram instaurar um reino de terror para implantarem a “sharia” a lei islâmica. Cada dia que passa é como que um barómetro para a coragem destes cristãos. Irão hoje à Missa? E se houver um atentado? Da Nigéria chegam-nos, todos os dias, testemunhos vibrantes de fé.

texto por Paulo Aido, Fundação Ajuda à Igreja que Sofre
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