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São Nuno e o Vaticano II
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Se este foi o entendimento do Santo Padre e dos nossos Bispos, outro foi o parecer dos fiéis que manifestaram algum desconforto pela canonização de um guerreiro. Para estes, a glorificação do Condestável seria suportável só porque esse seu passado mais não seria do que uma etapa prévia à sua conversão, sobre a qual viria agora a incidir a bênção da canonização. Entendem portanto que só o monge foi elevado aos altares, permanecendo apeado o leigo cristão, o militar valeroso, o dadivoso milionário, o filho obediente, o marido fiel, o casto viúvo, o pai exemplar, o leal conselheiro do rei, o humilde conde e o invencível condestável.
Se a nobilitação de Camilo Castelo Branco inspirou uma divertida caricatura de Rafael Bordalo Pinheiro, em que o novo titular expulsava o genial escritor, dir-se-ia que a canonização de São Nuno deu azo a serôdios episódios de ultramontano clericalismo, na voz dos que insistem em ignorar a vida santa do santo leigo e teimosamente pretendem ainda, ao arrepio dos ensinamentos conciliares, que a santidade é um privilégio exclusivo da casta sacerdotal e da vida religiosa em geral.
Assim sendo, perdoa-se ao Santo Condestável o seu passado laical, em nome da consagração religiosa que coroou a sua vivência cristã, ignorando-se que a sua identificação com Cristo não ocorre apenas, nem principalmente, no último episódio da sua vida, mas é a realidade que vivifica toda a sua anterior existência, profunda e essencialmente secular. São Nuno não foi santo apesar do seu estado laical e da sua vida profissional, mas, pelo contrário, santificou-se em e através do fiel cumprimento dos seus deveres de estado, como filho, esposo e pai de uma família cristã, como competentíssimo profissional da guerra e como fidelíssimo cidadão. A sua tardia profissão religiosa não é a mais significativa expressão da sua santidade, mas apenas o seu último episódio. São Nuno, como afirmou D. José Policarpo na acção de graças pela sua canonização, «continua a dizer-nos que é possível viver com fé todas as realidades humanas, sociais, políticas, militares, familiares, religiosas; continua a dizer-nos que é possível ser santo em todas elas, que se pode viver toda a vida com Deus, que nos vai sugerindo, em cada momento e em cada circunstância, a maneira de acreditar e de amar».
Desculpem-me este meu anticlericalismo, à conta não só do que o Concílio Vaticano II ensina, mas também da multissecular tradição da Igreja, que atribuiu, desde tempos imemoriais, o título de santíssima a uma única criatura: Maria, a filha de Joaquim e de Ana, a esposa de José e mãe de Jesus, que nunca professou na vida religiosa e se santificou através dos seus deveres familiares, religiosos, sociais e profissionais. Não estranha, pois, que tenha sido esta santíssima mulher o exemplo de santa virtude que iluminou toda a vida santa de São Nuno de Santa Maria.
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