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Padre Ricardo Neves (1972-2015)
Uma vida que foi uma ‘porta aberta’ aos outros
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Era um jovem sacerdote sempre disponível para qualquer pessoa, que encarou a doença com a certeza de que se iria cumprir a vontade de Deus: a cura ou o Céu. O padre Ricardo Neves, de 42 anos, pároco do Estoril, faleceu no passado dia 6 de agosto.

 

O padre Ricardo Neves não tinha dúvidas: a sua doença era uma história que iria ter um final feliz. A revelação é feita ao Jornal VOZ DA VERDADE pelo padre Paulo Malícia, amigo de longa data do sacerdote que faleceu em 6 de agosto passado, aos 42 anos, vítima de cancro. “Ele costumava dizer uma coisa muito engraçada: ‘Não se preocupem porque esta história só pode acabar bem! Porque ou Deus me cura ou vou para o Céu… e foi assim que ele viveu aquele momento de doença”, conta o padre Paulo, que foi ordenado sacerdote, em 1997, com o padre Ricardo Neves. A amizade entre ambos, porém, tinha começado seis anos antes, no seminário. “Entrei no Seminário de Almada e fui para o curso onde já estava o Ricardo. Houve logo uma amizade entre nós. Eu cheguei ao seminário já com 24 anos e o primeiro ano foi complicado, com a adaptação, e o padre Ricardo, apesar de ser seis anos mais novo, tinha muitos anos de seminário e acabou por ser uma das pessoas que me acolheu e me introduziu numa forma de viver e de estar, e até numa linguagem, que não era a minha mas que já era a dele”, recorda.

Durante os dois anos em Almada e depois nos quatro que se seguiram no Seminário dos Olivais, o convívio com o jovem Ricardo Neves foi diário. “O que mais recordo dele, desse tempo de seminário, era estar sempre pronto para ajudar e nunca ter a porta do quarto fechada, nem em tempo de estudo. O quarto dele era sempre uma porta aberta, porque a vida dele era também uma ‘porta aberta’ para os colegas. Pessoalmente é o que mais recordo”, garante o padre Paulo Malícia, destacando igualmente “o testemunho de vida cristã no seminário, que era definitivamente um exemplo para todos”.

Nascido em Lisboa, a 15 de setembro de 1972, o padre Ricardo Neves foi ordenado em 29 de junho de 1997. Seguiram-se 14 anos como padre formador – primeiro como prefeito do Seminário Patriarcal de São Paulo de Almada (1997-1999), depois como prefeito do Seminário de São José de Caparide (1999-2002) e finalmente como vice-reitor deste mesmo seminário (2002-2011). Só então, em 2011, assumiu a paróquia de Santo António do Estoril, a única que conheceu como pároco. Ao longo destes anos, o padre Paulo Malícia recorda com saudade a amizade que sempre manteve com o padre Ricardo. “Mantivemos sempre uma grande amizade. O nosso curso do seminário encontrava-se com regularidade, mas eu, pessoalmente, encontrava-me muitas vezes com o Ricardo e habitualmente era com ele que passava as férias e, geralmente, de dois em dois anos fazíamos uma viagem pelo estrangeiro. A nossa amizade foi-se cimentando, ao longo dos anos, também na partilha de vida. Partilhávamos a vida um com o outro, partilhávamos a missão e o que é isto de ser padre, o que é isto de ser Igreja hoje”. Há cerca de dois anos, o padre Paulo teve um problema num joelho, que o levou a ser operado. “A convalescença foi depois feita na casa paroquial do Estoril, com o padre Ricardo Neves, que gostava muito de receber os colegas sacerdotes”, relata.

 

Pôr a doença nas mãos de Deus

Em setembro do ano passado, há cerca de um ano, foi detetado cancro ao padre Ricardo Neves. “A forma como o Ricardo enfrentou a doença foi mais um testemunho de alguém que pela forma como morreu também ensinou muita gente a viver. Encarou a doença com fé, entregou esse momento a Deus e viveu o seu mistério da Cruz. Com serenidade, pôs nas mãos de Deus esse momento”, assegura o padre Paulo Malícia.

O momento de doença do seu pároco foi vivido “em unidade e oração pela comunidade” do Estoril. “Ao contrário do que a lógica humana podia pensar, a debilidade de um pastor quando é vivida unida ao mistério da Cruz do Senhor torna-se sinal de vida e de comunhão para a paróquia. O padre Ricardo nunca foi tão prior do Estoril como no último ano, porque o seu sofrimento e a sua entrega ao Pai uniu a paróquia ainda mais na oração e no trabalho pastoral”, assegura o padre Paulo, que recorda o amigo que viu partir: “O grande testemunho que o Ricardo deixa é que uma vida só vale a pena quando é entregue a Deus e aos homens. E uma vida dada, entregue, é sempre um sinal de esperança neste mundo”.

 

Oração

Maria do Carmo Diniz mora em Cascais mas é paroquiana do Estoril e quando soube da doença do padre Ricardo Neves sentiu que tinha estar próxima do seu pároco. A forma? A oração. “Durante este processo, sentimos a necessidade de estar perto do padre Ricardo e, de alguma maneira, estar presente na vida dele como ele sempre esteve presente nas nossas. Ele não precisava da nossa companhia no hospital, porque estava bastante acompanhado, não precisava de materiais hospitalares… pelo que o que podíamos fazer era rezar”, salienta ao Jornal VOZ DA VERDADE. Falando com outra paroquiana do Estoril, Diana Castro Roquette, Carmo organiza a recitação diária do Terço. “A paróquia do Estoril tem habitualmente dois Terços diários e não queríamos que as intenções diárias da paróquia fossem ‘ultrapassadas’ com esta intenção especial. Por isso organizámos um Terço especificamente pela vida do padre Ricardo, um agradecimento pela vida do nosso pároco, por tudo o que ele nos deu e para que se fizesse a vontade de Deus”, explica Carmo. Diariamente, na igreja paroquial, após a Missa das 19 horas, um grupo reunia-se para rezar pelo padre Ricardo Neves. Ao mesmo tempo, Carmo criou na rede social Facebook o grupo ‘Terço diário pelo Padre Ricardo’, que reuniu muitas pessoas. “Apercebemo-nos que havia muitas pessoas que não conseguiam ir à igreja rezar o Terço connosco, mas que rezavam em casa pelo padre Ricardo, unidas ao grupo”, frisa.

A família de Maria do Carmo Diniz era “muito amiga do padre Ricardo”, desde há nove, dez anos quando conheceu o sacerdote numa peregrinação a Fátima. O padre Ricardo Neves era padrinho do quinto filho de Carmo, Bernardo, hoje com 6 anos. “O padre Ricardo foi uma pessoa muito importante no processo de adoção do nosso último filho e acabou por ser o padrinho do Bernardo”, revela. Sobre o que mais a marcou na vida do sacerdote que morreu com 42 anos, Carmo não tem dúvidas: “O exemplo de fé, inabalável, e a alegria enorme da fé. Era tão bom estar junto a ele, pela alegria que nos transmitia e fazia-nos sentir tão mais perto de Deus…”

 

Uma dedicação que espantava

Luísa Vaz Pinto, de 26 anos, trabalha na área financeira do Centro Paroquial do Estoril (Boa Nova) há 3 anos, e conheceu o padre Ricardo Neves em 2011, quando este sacerdote assumiu a paróquia. “Houve logo uma grande empatia. Aquele sorriso, aquele olhar, aquela ternura não o deixavam passar despercebido, não deixavam que ninguém passasse indiferente. Quando o conheci, comecei a fazer caminhada de direção espiritual com o padre Ricardo, que me desafiou logo para os campos de férias e a catequese da paróquia”, partilha Luísa ao Jornal VOZ DA VERDADE.

Esta jovem, que foi batizada na paróquia do Estoril e que integra e coordena alguns dos grupos de jovens paroquiais, garante que nunca vai “esquecer a forma como o padre Ricardo olhava para os jovens, sempre com novas ideias, sempre com muita ambição, esperança, sempre ‘insatisfeito’ e a querer melhorar, sempre envolvido”. “Uma das coisas que me fazia mais confusão era a forma como ele se dedicava às coisas, era pároco, presidente do Centro Paroquial da Boa Nova e mesmo assim não faltava a uma reunião dos jovens e estava sempre disponível para novas ideias, dúvidas, etc.”, refere.

Luísa lembra ainda algumas das iniciativas que o padre Ricardo empreendeu, como o ‘Cravas’, para jovens dos 15 aos 17 anos, ou o grupo de formação cristã para universitários. “Sempre preocupado com o futuro dos grupos, tentava criar estruturas que fossem o máximo possível ‘autossuficientes’. Dizia que um dia podia já não estar cá e tinha como ambição dar estrutura a estes grupos para que aguentassem o que viesse – até parecia que já sabia o que aí vinha”, relata, contando ainda um desafio especial que os jovens fizeram ao seu pároco: “O padre Ricardo de tal maneira estava disponível para os jovens que uma vez lhe pedimos, em tom de brincadeira, um grupo de formação cristã para estudar a Bíblia, dado por ele, e passado um mês esse grupo já existia”.

Apelidando o padre Ricardo Neves de “um Pai – foi Pai, presidente, pároco, diretor espiritual, amigo!” –, Luísa Vaz Pinto destaca uma frase deste jovem sacerdote, falecido recentemente: “Eu vi Jesus através do padre Ricardo, eu aproximei-me de Deus através do padre Ricardo e por isso sou muito agradecida. A partida dele dói muito, mas tento agarrar-me à frase que ele uma vez disse: ‘Deus nunca tira a Vida, Deus dá sempre mais Vida. Pode não ser a Vida que desejamos, mas a Vida que precisamos’”.

 

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Fazer luto num caminho de esperança

Em julho passado, com o agravar da doença do padre Ricardo Neves, o Cardeal-Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, nomeou o padre Paulo Malícia pároco do Estoril. Na celebração das exéquias do padre Ricardo, a 7 de agosto último, o próprio D. Manuel Clemente revelou que a nomeação “saiu muito do coração do padre Ricardo”. O novo pároco considera ao Jornal VOZ DA VERDADE que a paróquia de Santo António do Estoril tem um luto a fazer, alicerçada num caminho de esperança. “Sinto que a comunidade reagiu bem [à notícia da morte do seu pároco], com fé, com esperança; sei que a comunidade tem o luto para fazer e vamos fazê-lo em conjunto, da única maneira que um cristão pode e deve fazer o luto: alicerçado numa esperança, na esperança cristã, que é sempre uma porta aberta ao futuro. Porque a nossa esperança está na ressurreição do Senhor”, assegura o novo pároco do Estoril, padre Paulo Malícia.

  

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A Cruz que abraçava um doente

Luísa Vaz Pinto conviveu de perto, nos últimos quatro anos, com o padre Ricardo Neves. São muitas, “infinitas”, as histórias que guarda, em particular uma mais recente. “A história que mais me marcou foi quando regressei da peregrinação de jovens a Fátima, este ano. O padre Ricardo não pôde vir connosco. Éramos 120 jovens a peregrinar a Fátima com o padre Ricardo muito presente na oração e ele, com certeza, a rezar aos ‘gritos’ por nós. A peregrinação foi muito especial e recebemos muitas graças. No final, oferecemos ao padre Ricardo a nossa Cruz, que caminhou connosco todos aqueles quilómetros. Fui eu que entreguei a Cruz ao padre Ricardo, que a recebeu com muitas lágrimas e muito agradecido. Ali foi muito claro para mim como lhe estava a custar não estar connosco nestes momentos. E não estava a chorar porque estava doente; estava a chorar porque dava tudo para estar junto de nós e também por saber que tinha corrido tudo tão bem! Uns dias mais tarde, na homilia da Páscoa, o padre Ricardo disse ter visto um homem doente abraçado à Cruz e disse que não era assim: era a Cruz que o abraçava a ele, uma beleza. Este homem pensava ‘ao contrário do mundo’”, relata Luísa ao Jornal VOZ DA VERDADE.

texto por Diogo Paiva Brandão
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