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Pe. Alexandre Palma
Branco no cinzento

Um pouco de branco num mar cinzento. Pode soar estranho, mas foi isso que mais me impressionou ao acompanhar os discursos do Papa Francisco, primeiro, no Congresso dos Estados Unidos e, depois, na Assembleia Geral das Nações Unidas. Mais que as palavras em si, foi a estética dos eventos que primeiro captou a minha atenção. Talvez fosse da iluminação que incidia sobre aqueles palanques. Talvez fosse dos planos da filmagem televisiva. Talvez fosse, simplesmente, do contraste entre as habituais vestes brancas do Papa e as cores solenes e escuras que dominam a decoração daquelas salas e, também, os trajes graves e formais de quantos ali o escutavam. Não sei ao certo porquê, mas nunca aquele seu branco me pareceu tão novo e luminoso.

Não quero reduzir aqueles eventos apenas a uma questão cromática – seja porque isso seria demasiado superficial; seja porque não estou minimamente habilitado para discorrer sobre cores! Reconheço que, mais que as impressões, deverão contar as palavras. E aí, nestes dois grandes areópagos do mundo, o Papa falou de pobres e de uma política em prol do bem comum; falou de emigrantes e da legítima busca de uma vida melhor; falou da vida e da abolição da pena de morte; falou da família e de como nela se joga futuro; falou a favor do «direito do ambiente» e contra a «cultura do descarte»; falou do ideal da «fraternidade universal» e das necessárias reformas institucionais na ONU; falou da mediação dos conflitos e da ganância que alimenta a venda de armas.

Mas para se perceber todo o alcance das palavras, importa mesmo considerar a «história dos seus efeitos» (cf. H.-G. Gadamer). E estes parecem-me bastante eloquentes. O aplauso que o Papa ali recolheu ou a comoção que ali se gerou não decorre, seguramente, do pleno acordo com a sua mensagem. É bem sabido como, nessas duas assembleias, não faltará quem discorde do Papa em algum desses tantos assuntos de que ele falou. Esse aplauso generalizado será, ao invés, a justa vénia a um outro aspecto, não menos fundamental que as palavras proferidas: a liberdade e a autoridade com que este Papa fala. Isto ninguém lhe recusará. E assim, a conversa eleva-se para lá da simples dialéctica polarizada entre «concordo-discordo» em que tantas vezes se acham enleados os discursos públicos e políticos. Talvez fosse isso, no fundo, que desse àquele seu branco um destaque inusitado. Porque, no meio de tanto cinzento, só aparentemente eram as suas vestes que branqueavam o cenário. Mais que elas, era a sua palavra livre e a sua presença autêntica que (re)introduziam naquelas câmaras a brancura de uma luz que por vezes lhes vai faltando.