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António Bagão Félix
“Vence a indiferença e conquista a Paz”

No primeiro dia de cada ano, celebra-se o Dia Mundial consagrado à ideia da Paz. Como acontece desde 1968 e por iniciativa do então Papa Paulo VI, a Igreja Católica, através do Sumo Pontífice, dirige uma Mensagem a todas as pessoas de boa vontade.

Para a Mensagem de 2016 - a 49ª - O Papa Francisco escolheu o tema “Vence a indiferença e conquista a Paz”. Uma escolha muito conforme ao pensamento e à acção do Papa argentino. A indiferença é um dos grandes males das sociedades contemporâneas e, como tal, uma incubadora do conflito, da desarmonia, do egoísmo, do ódio e da crueldade. A indiferença é uma espécie de “via verde” para tudo o que significa a antítese do bem. Inocente ou não, a indiferença é sempre perigosa, como afirmou Francisco.

Indiferença que, aliás, tem expressão na relativa pouca importância que tem sido dada a estas Mensagens na comunicação social e até no seio das próprias comunidades cristãs.

E como na Mensagem está escrito, “hoje em dia, a indiferença superou decididamente o âmbito individual para assumir uma dimensão global, gerando o fenómeno da globalização da indiferença.

Indiferença para com o transcendente, para com o próximo e para com a própria criação, a nossa “casa comum”. Por isso assume diferentes prismas. Volto a citar a percepção eloquente do Papa: “Há quem esteja bem informado, ouça rádio, leia os jornais ou veja programas de televisão, mas fá-lo de maneira entorpecida, quase numa condição de rendição: estas pessoas conhecem vagamente os dramas que afligem a humanidade, mas não se sentem envolvidas, não vivem a compaixão. Este é o comportamento de quem sabe, mas mantém o olhar, o pensamento e a acção voltados para si mesmo. Infelizmente, temos de constatar que o aumento das informações, próprio do nosso tempo, não significa, de por si, aumento de atenção aos problemas, se não for acompanhado por uma abertura das consciências em sentido solidário. Antes, pode gerar uma certa saturação que anestesia e, em certa medida, relativiza a gravidade dos problemas. Alguns comprazem-se simplesmente em culpar, dos próprios males, os pobres e os países pobres, com generalizações indevidas, e pretendem encontrar a solução numa “educação” que os tranquilize e transforme em seres domesticados e inofensivos”.

João Paulo II e Bento XVI já haviam chamado a atenção para o relativismo, o desinteresse, o fechamento sobre nós próprios, a apatia e a inércia associados à ideia da indiferença. Por isso, apelaram constantemente à globalização da solidariedade.

O Papa Francisco explicita, agora, a ideia de fomentar uma cultura de solidariedade e misericórdia para se vencer a indiferença. E escreve: “A solidariedade como virtude moral e comportamento social, fruto da conversão pessoal, requer empenho por parte duma multiplicidade de sujeitos que detêm responsabilidades de carácter educativo e formativo”.

Tudo isto exige o que chama “a conversão do coração”. Uma conversão que não se legisla, não se administra, não surge por acaso. Uma conversão que exige uma cultura de valores e princípios de vida em sociedade, uma prática de serviço e de testemunho, uma firmeza de autenticidade e de exemplaridade, uma formação para o bem comum que é (ou deveria ser) património de todos.

O Papa, na parte final do seu texto, dirige um triplo apelo: “apelo a abster-se de arrastar os outros povos para conflitos ou guerras que destroem não só as suas riquezas materiais, culturais e sociais, mas também – e por longo tempo – a sua integridade moral e espiritual; apelo ao cancelamento ou gestão sustentável da dívida internacional dos Estados mais pobres; apelo à adopção de políticas de cooperação que, em vez de submeter à ditadura de algumas ideologias, sejam respeitadoras dos valores das populações locais e, de maneira nenhuma, lesem o direito fundamental e inalienável dos nascituros à vida”.

A luta contra a militância da indiferença pressupõe afastar a banalização do mal que nos torna egoístas e acomodados perante o sofrimento dos outros. Ao falar desta doença humana e social, recordo uma frase do dramaturgo Charles Favard, datada do fim do século XVIII, mas profundamente actual: “a indiferença é o sono da alma”. Como Francisco nos diz, o combate contra a indiferença é um sólido caminho para a Paz. Connosco, com os outros, com a Natureza. E, acima de tudo, com Deus.

 

(por decisão pessoal, escrito com a ortografia anterior ao AO)