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Quénia: Farah, o muçulmano que morreu para salvar cristãos
O herói improvável
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Um autocarro foi emboscado no nordeste do Quénia, a poucos dias do Natal. Os terroristas que o atacaram queriam separar os cristãos dos muçulmanos para os massacrarem. Houve alguém que lhes fez frente. Acabou por morrer no hospital, mas ninguém mais poderá esquecer a sua coragem.

 

Morreu na terça-feira da semana passada, numa cama do Hospital Kenyatta, em Nairobi, no Quénia, devido a complicações pós-operatórias. Salah Farah, muçulmano, 34 anos, sobreviveu apenas 29 dias desde que o autocarro em que viajava, no Quénia, foi emboscado por um bando de jihadistas pertencentes ao grupo al-Shabab. Faltavam apenas quatro dias para o Natal quando tudo aconteceu. Normalmente, os autocarros que se atrevem a atravessar a região de Mandera são escoltados pelo exército ou pela polícia. “Infelizmente, naquele dia não houve escolta”, explicou Farah aos jornalistas que o foram visitar ao hospital, poucos dias antes da intervenção cirúrgica que se revelou fatal. Os extremistas bloquearam o autocarro e dispararam rajadas de metralhadoras que estilhaçaram logo os vidros. Depois, aos gritos, exigiram que os cerca de 80 passageiros desembarcassem.

 

O massacre recordado

Era o que todos temiam. Já em Mandera, em 2014, ocorrera um incidente do género. Então, um autocarro foi também atacado e os jihadistas exigiram que os passageiros se separassem por grupos, conforme a religião que professassem. Os não-muçulmanos foram fuzilados. Morreram 28 pessoas, na sua maioria cristãos.
Dia 21 de Dezembro de 2015. O muçulmano Salah Sabdow Farah, professor e vice-director de uma escola primária em Mandera, na região nordeste do Quénia, que faz fronteira com a Etiópia e a Somália, estava de regresso a casa, desde Masaai Mara, para onde tinha ido fazer uma acção de formação. A viagem levava já 800 km. Estava quase a chegar ao destino quando tudo aconteceu. Como o autocarro seguia sem escolta, não foi difícil aos terroristas do al-Shabab obrigarem o motorista a parar o veículo. Então, mandaram os passageiros sair. Algo de inédito, porém, estava para acontecer.

 

Foi assustador

Apesar dos gritos e das ameaças dos jihadistas, nenhum dos passageiros abandonou o autocarro. “Recusámos.” Em resposta, os terroristas varreram o autocarro com tiros, obrigando todos a deitaram-se no chão, “em pânico”. Foi assustador. Poucos minutos depois, estavam todos fora do veículo, arrastados pelos terroristas. “Disseram para nos separar. Cristãos para um lado e muçulmanos para o outro”, recordou Farah. Mas todos recusaram acatar esta ordem. Ameaçadores, os terroristas fizeram alguns disparos. Uma das balas atravessou a anca de Farah. Outros ficaram também feridos. Mas, mesmo assim, ninguém aceitou separar-se. Os passageiros muçulmanos rodearam então os cristãos e tiveram um gesto que nenhum deles irá mais esquecer para o resto das suas vidas. “Matem-nos a todos ou deixem-nos em paz.” Perante esta reacção inesperada, os terroristas acabaram por silenciar as armas e partiram. Algum tempo depois chegaram as autoridades no alvoroço que se imagina. Os feridos foram levados para os hospitais.

 

A morte de um herói

Salah Sabdow Farah foi transportado primeiro para Mandera, sendo depois transferido para o Hospital Nacional Kenyatta, na capital, Nairobi. Na terça-feira da semana passada, 29 dias desde a emboscada, Farah não resistiu aos ferimentos. Além da bala que lhe perfurou a anca, este professor ficou com marcas de estilhaços no braço direito. No entanto, apesar das dores intensas que sentia, nunca perdeu o bom humor. Numa das visitas que recebeu, em Nairobi, antes da intervenção cirúrgica, falou com jornalistas da rádio Voz da América. Perguntaram-lhe por que razão arriscou a vida para salvar os cristãos que viajavam com ele no autocarro. A resposta foi imediata: “Somos irmãos. O que nos separa é a religião. Peço aos meus irmãos muçulmanos que cuidem dos cristãos e aos cristãos que cuidem de nós. Ajudemo-nos uns aos outros e vivamos em paz.” Considerado já um herói, este muçulmano acabou por dar a sua vida para que um grupo de homens e mulheres não fossem assassinados a sangue-frio apenas por serem cristãos. Nesse encontro com os jornalistas, Farah disse que os jihadistas que os atacaram não eram muçulmanos. Nem podiam ser. “O Islão é uma religião de paz, não é uma religião de terroristas.” E acrescentou: “Cristãos e muçulmanos têm de viver juntos pacificamente.” Tinha 34 anos. Farah deu a vida por aquilo em que acreditava: a paz.

texto por Paulo Aido, Fundação Ajuda à Igreja que Sofre
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