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P. Duarte da Cunha
Não é fácil conhecer a realidade!

As redes sociais, as novas tecnologias, a vida acelerada e muito ocupada são aspectos de uma cultura que muitos reconhecem ser mais superficial e sentimental, mas que tem o aliciante de levar as pessoas a saberem um pouco de muita coisa e a estarem sempre ligadas às notícias do mundo ou dos amigos. É um facto que as pequenas mensagens associadas às fotografias ou aos pequenos vídeos fazem crer que se conhece muita coisa. Além disso, as televisões fazem reportagens bem montadas, dinâmicas e com boa imagem, para darem muitas notícias que as pessoas absorvem como verdades evidentes. E, contudo, há qualquer coisa que não está bem contado e fica a impressão de que é cada vez mais complicado ter critérios para discernir e ajuizar sobre o que se passa.

Vem isto a propósito de um documentário, emitido há algumas semanas numa estação de televisão europeia, com uma reportagem sobre uma questão de que o Conselho das Conferências Episcopais da Europa (CCEE) está a preparar um encontro. Em vista desse encontro, no secretariado do CCEE, vimos o documentário, que nos parecia muito interessante. Como se referia a uma determinada estrutura estatal onde também havia um capelão, quisemos convidar o padre que aí trabalha para nos falar daquilo que tínhamos visto na reportagem. A sua resposta foi, porém, inesperada. Referindo-se ao documentário disse: “Muito mau e pouco conforme à realidade que eu vivo todos os dias. Mas não é difícil partir de 200 horas de filmagens, feitas ao longo de 15 dias, retirar dali o que se quer e montar um documentário de maneira a dizer o que se queria dizer. Isso não prova nada, mas o problema é que os políticos deixam-se apanhar porque, de qualquer forma, a maior parte dos que falam não conhecem nada e alguns até falam mais quanto menos sabem”.

A sua resposta levou-nos a pensar, em primeiro lugar, na questão do jornalismo e da seriedade com que se fazem as reportagens. É evidente que há bom e mau jornalismo, como há bons e maus de tudo. E pode haver gente que faz uma reportagem já com um preconceito ou com uma ideia que quer passar recorrendo à ajuda da técnica para conseguir criar a ilusão de que a sua ideia é baseada na realidade. Mas quando a realidade já não espanta e é manipulada, será complicado saber o que se passa e o que fazer.

Mas o que mais me fez pensar foi outra coisa. Não foi tanto o problema do jornalista, mas foi a minha reacção o que mais me incomodou. É que, depois de ver o documentário, fiquei, também eu, a achar que percebia do assunto! E quando alguém que vive aquela realidade me diz que aquilo não coincide com o que acontece, compreendi como eu estava iludido e que, de facto, para se conhecer a realidade é preciso vivê-la, e não basta uns minutos em frente da televisão.

Isto vale muito para as coisas da Igreja. Quantas vezes vemos notícias sobre a Igreja e percebemos que as coisas estão mal contadas (mesmo quando é para dizer bem), mas temos dificuldade em explicar melhor a quem viu a reportagem porque quem não faz directamente a experiência e vê na televisão algo julga que não precisa de experimentar? Pensa que não precisa de encontrar os protagonistas da história, não precisa de ler livros sobre a matéria em questão, apenas porque depois de uma rápida busca na internet ou por ter visto uma notícia na televisão fica a pensar que sabe da matéria!

Este é o grande drama em que vivemos. A realidade torna-se cada vez mais distante, e a pretensão de a conhecer por ouvir falar leva as pessoas a ficarem convencidas de a conhecerem. Associado a isso está que quem conhece bem um assunto ou esteve presente num acontecimento ou vive num determinado contexto sobre o qual se faz uma notícia, compreende também a complexidade da realidade e a necessidade de tempo para a explicar e para mostrar tudo o que está implicado. E hoje quem tem tempo para escutar com atenção alguém a contar uma história complexa ou a apresentar um argumento profundo?

No nosso tempo, as pessoas culturalmente enformadas pela lógica das mensagens curtas não têm paciência para escutar ou ler muito. E, assim, vai sendo cada vez mais evidente que se age, decide e pensa baseando-se só no que aparece superficialmente. A razão, que tem a capacidade de colher informação, compreender as relações, interpretar os significados e levar a vontade a tomar decisões com objectivos bons, passa ser requisitada apenas para argumentos lógicos e, inevitavelmente, fica mais longe da verdade da vida.