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Sudão do Sul: no meio do horror, uma história feliz
A rapariga escrava
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Desde Dezembro de 2013 que o Sudão do Sul está a ferro e fogo. É uma guerra civil que já causou dezenas de milhares de mortos e mais de dois milhões de refugiados. No meio deste ódio à solta, descobrem-se as maiores atrocidades. Há até pessoas, rapazes e raparigas, escravizadas. Adut, teve sorte. Um padre resgatou-a quando já estava meio moribunda.

 

Nem todas as guerras têm honra de primeira página nos jornais, de serem tema de abertura dos telejornais. Até no sofrimento e na morte há países que não valem quase nada. No Sudão do Sul vive-se uma das mais tenebrosas guerras da actualidade. Tudo começou poucos dias antes do Natal de 2013. Desde então, têm-se sucedido os ataques entre as etnias dinka e nuer. Esta guerra não chega a ser ideológica ou religiosa. É meramente tribal e isso explica, em parte, todo o ódio à solta, a violência descontrolada. O horror. Desde Dezembro de 2013 que o povo do Sudão do Sul desconhece, na verdade, o significado da palavra paz. Para além de tudo isto, há ainda um ambiente de violência antigo de décadas, na região fronteiriça com o vizinho do norte, o Sudão, país islâmico cada vez mais radicalizado.

 

Terra de ninguém

Essa região de centenas e centenas de quilómetros, é uma terra de ninguém. Se a guerra civil no Sudão do Sul quase não é escutada no mundo ocidental, então o que se passa aí é como se nunca tivesse existido. Esse vazio tem sido terreno fértil para grupos mercenários actuarem na maior das impunidades. A tal ponto que por lá é possível, hoje em dia, comprar e vender pessoas como se fizéssemos uma viagem no tempo, galgássemos séculos e descobríssemos que a palavra “escravatura” continua actual. Na verdade, para muitas centenas de raparigas e rapazes que vivem nesta região, a escravatura é a triste condição das suas vidas depois de terem caído nas mãos de pessoas sem escrúpulos que fazem negócio com a fraqueza dos outros. O Norte, país governado por uma ditadura islâmica, é quase sempre uma armadilha para as pobres famílias cristãs. Muitas vezes, grupos armados atacam-nas apenas com o objectivo de raptarem rapazes e raparigas para os venderem depois nesses mercados de escravos.

 

Padre Aurélio

No meio da indiferença com que tudo isto acontece, há pessoas que procuram salvar estes rapazes e raparigas, devolver-lhes a liberdade roubada. Dar-lhes um futuro. O Padre Aurélio Fernandez desde há muito que assumiu a missão de resgatar o maior número possível destes condenados a uma vida de escravidão. Uma das jovens que salvou é Adut. Aurélio encontrou-a no meio de um grupo de outros rapazes e raparigas condenados a uma vida de escravidão. Estavam ali, algures nessa terra de ninguém entre o Sudão e o Sudão do Sul, à espera de comprador. Adut tinha as pernas ensanguentadas e infectadas. O Padre Aurélio perguntou quanto custava. A resposta veio fria e seca: “Ninguém compra um animal em mau estado”.
Por estar em “mau estado”, o Padre Aurélio conseguiu até resgatar todo o grupo por um preço mais baixo. Normalmente, um rapaz custa cerca de 300 euros. As raparigas são mais baratas: ficam por 250… O Padre Aurélio comprou o grupo todo. Hoje estão em liberdade e a reaprender a viver sem grilhões. Mas o Padre Aurélio nunca mais vai esquecer a história desta rapariga que encontrou, sentada no chão, na areia, ao calor, junto de mais umas dezenas de crianças, todas com marcas de cordas nos pulsos.

 

Apenas “um animal”

Adut era uma rapariga normal que vivia na sua aldeia quando ocorreu uma rusga de militares sudaneses. Todos fugiram em alvoroço. Por ali ninguém confia nos militares. Um homem armado e fardado faz o que quer. Adut também fugiu. Mas não foi longe. Um soldado, a cavalo, viu-a, foi ao seu encalço, lançou-lhe uma corda e arrastou-a assim, pelo chão, durante vários quilómetros. Depois, como se não bastasse toda essa violência, violou-a. Era apenas “um animal em mau estado”, terá pensado. O Padre Aurélio chegou a tempo ao mercado de escravos. Mais uns dias e, provavelmente, não sobreviveria. Adut estava muito ferida, muito débil, quando o Padre Aurélio, sossegando-a, disse para não ter medo. Que estava tudo bem. Que nunca mais lhe iriam fazer mal…

 

Campanha da AIS

A Fundação AIS lançou uma campanha de apoio à Igreja no Sudão do Sul. Sem os holofotes das rádios e das televisões, há, neste país mergulhado em guerra, muitos padres Aurélio que todos os dias procuram salvar alguém das garras dos mercenários, da violência do ódio tribal, da desventura da pobreza extrema. Tal como o Padre Aurélio precisa da nossa ajuda para continuar a sua missão, é preciso acudir também ao Padre Onesmas Otieno, à Irmã Angeline, ao Padre Ancangelo, ao Padre David Kulandai, à Irmã Maya, a D. Paride Taban… No Sudão do Sul há pelo menos dois milhões de homens, mulheres e crianças que estão de mãos estendidas e que precisam de nós. Estamos no Ano da Misericórdia. Eles precisam da nossa ajuda e das nossas orações. É preciso que o Padre Aurélio continue a resgatar da morte muitos rapazes e raparigas escravizados. Todos eles contam consigo. Todos eles contam connosco.

texto por Paulo Aido, Fundação Ajuda à Igreja que Sofre
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