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Angola: crise do petróleo revela país fracturado
Filhos da má-sorte
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Em redor dos bairros luxuosos de Luanda, ilhas perfumadas no meio do lixo dos musseques, vivem milhões de pessoas. O afundamento do preço do petróleo veio tornar ainda mais difícil a vida desta multidão de pobres, desempregados, excluídos. Entre estes filhos da má-sorte, há milhares de crianças que vivem na rua.

 

Há cicatrizes que não se apagam da memória e outras que demoram a escapar-se do corpo. Ainda hoje, Angola parece não conseguir libertar-se dos tempos atrozes da guerra civil. Esses vinte e sete anos de sofrimento parecem ter reaparecido agora com a recente crise do petróleo, causada pela baixa acentuada do preço do crude nos mercados internacionais e que fez soar todos os gritos de alarme. A economia do país, profundamente dependente do chamado “ouro negro”, entrou em colapso e, de um dia para o outro, tornou-se evidente que Angola é um país profundamente dividido, com um aumento galopante do número dos muito pobres que rivalizam com a riqueza quase obscena de uns quantos privilegiados. O contraste é tão violento que só não o vê quem não quer.

 

Nota Pastoral

Os Bispos denunciaram este estado de coisas na sua mais recente Nota Pastoral. Nesse documento, publicado a 9 de Março, os prelados afirmam que esta crise não pode ser explicada apenas pela queda do preço do petróleo, sendo necessário apontar o dedo à “falta de ética, má gestão do erário público e corrupção generalizada” no país. O fim da guerra e a euforia do dinheiro fácil do petróleo, transformaram a capital angolana numa terra desejada. Hoje, Luanda é das cidades mais caras do mundo, o que é difícil de entender nos becos dos musseques onde vivem milhões na mais abjecta pobreza. É um contraste criminoso. Casas luxuosas e barracas imundas, quase lado-a-lado. As palavras dos bispos são a verbalização de um sentimento colectivo. Angola tinha tudo para ser um oásis de progresso, de bem-estar, de qualidade de vida. Essas são, porém, palavras desconhecidas para milhões de pessoas. Dizem os bispos que “a falta de critérios no uso dos fundos públicos, gastos exorbitantes e importação de coisas supérfluas”, explicam, em parte, a situação a que se chegou.

 

Meninos da rua

Os anos de guerra ainda estão presentes na memória de muitos. Há um sofrimento que não se apaga. Porém, há uma nova geração de excluídos, os pobres, os desempregados, até os que, tendo trabalho, não conseguem sobreviver tal é o aumento terrível do custo de vida nos últimos tempos. Entre esta nova geração de excluídos há os que, tendo nascido já depois do fim da guerra, nunca souberam o que significa viver em paz: são os meninos da rua. Em Luanda há bairros, lugares onde é fácil encontrar crianças e jovens que perderam a família, que desconhecem a palavra carinho, que não sabem o que é a escola, uma cama, roupa lavada, comida na mesa. São lugares, bairros como os Congoleses, Nzinga, Combatentes, Aeroporto ou Chamano. É nesses emaranhados de barracas, nessas ruas estreitas e perigosas, com esgotos a céu aberto, que vivem dezenas, centenas de crianças. Em Luanda há dois centros de acolhimento para crianças de rua: a Casa Magone e a Casa Mamã Margarida. São dois projectos da Igreja, apoiados pela Fundação AIS, em que se procura dar resposta a esta chaga social

 

Histórias terríveis

Alberta André, apesar dos cinco filhos, aceitou o desafio de ajudar a devolver o sentido de família de alguns dos meninos da rua. Hoje, ela acolhe, na casa Mamã Margarida, 15 rapazes. “Estão sobre a minha tutela”, diz, esclarecendo que este é um trabalho urgente e imenso. “As crianças de rua estão muito vulneráveis”, explica. As crianças que chegam a esta casa vêm com os olhos carregados de medo e trazem consigo histórias terríveis de exploração sexual, de violência, de doença. Muitos “cheiram” gasolina, que é a droga das periferias, a mais barata e acessível, mas que é devastadora para a saúde. Calcula-se que cerca de 30 % das crianças angolanas, com idades entre os 5 e os 14 anos, são obrigadas a trabalhar. Alberta André ou o Padre Júlio Barriento, um sacerdote salesiano que acolhe também as crianças de rua na Casa Magone, são dois dos rostos mais queridos pelas crianças de Luanda. Quando se pergunta ao Padre Júlio por que está tão envolvido neste projecto, a sua resposta é desarmante: “Sempre que vamos à rua, encontramos uma criança que vai ter connosco, que nos vai olhar de frente e perguntar: -‘ o que vai fazer para me tirar daqui?’ Então, eu vou andar sempre nas ruas…”

Ninguém sabe ao certo quantos meninos de rua haverá em Luanda. Serão, por certo, mais de cinco mil. Estes filhos da má-sorte andam pelas ruas como se fossem invisíveis. O Padre Júlio ou a Alberta André, a mãe de cinco filhos que adoptou mais 15 rapazes, tentam remar contra a maré. Eles precisam da nossa ajuda para que estas crianças possam fintar o futuro que parece estar-lhes reservado.

texto por Paulo Aido, Fundação Ajuda à Igreja que Sofre
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