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O testemunho comovente de uma menina cristã refugiada em Erbil
“Rezo pelos jihadistas”
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Maryam Waleed tinha 8 anos e morava em Qaraqosh, no Iraque, quando, em Agosto de 2014, se escutaram os primeiros tiros que anunciavam a chegada dos jihadistas. Tudo desabou num instante. Hoje, ela vive num campo de refugiados. Não nos pede brinquedos, nem dinheiro, nem roupa. Apenas que rezemos por ela… Ela que, garante, reza pela conversão dos jihadistas.

 

Os tiros, cada vez mais próximos, anteviam o pior. No meio do caos, milhares de pessoas fizeram as malas e partiram. Alguns, nem os documentos conseguiram salvar. Era preciso partir a todo o instante. Quando se escutaram os primeiros gritos dos jihadistas que, aos tiros para o ar, despejavam cartuxos de munições festejando a conquista de mais uma cidade, ainda seria possível reparar ao longe na nuvem de pó da caravana de automóveis da população em fuga de Qaraqosh. Muitos deles eram cristãos. Foram instantes de tumulto, com os rostos dos adultos tomados pelo medo, as conversas exaltadas, os últimos olhares para trás, para a casa, a rua, o bairro… O último adeus à cidade.

Hoje, Maryam vive num acampamento improvisado em Erbil, no Iraque. As casas foram substituídas por contentores brancos. As ruas sinuosas de Qaraqosh desapareceram. Tudo desapareceu. Quase dois anos depois, para Maryam, há ainda uma ferida aberta na sua memória, uma dificuldade enorme em compreender o que aconteceu. O que lhe aconteceu. Maryam tem hoje 10 anos. É uma criança. Ali, em Erbil, procura-se que a vida ganhe novos hábitos, novas rotinas, um novo sentido. A escola também foi improvisada com contentores. É aí que Maryam passa agora a maior parte do seu tempo. Mas quando lhe perguntamos do que tem mais saudades, ela responde logo: “da minha casa”. E acrescenta: “Se pudesse, voltava para casa amanhã.”

 

“Está tudo bem”

Maryam vive agora numa aldeia improvisada que a Fundação AIS conseguiu edificar, quase de um dia para o outro, nos arredores de Erbil, para as famílias que fugiram de Qaraqosh. O testemunho desta menina é comovente. Na verdade, ela conseguiu que o seu coração não se deixasse trair pela avalanche de sentimentos de revolta, de raiva, até de ódio, que devem ter surgido naqueles primeiros dias de Agosto. O que diz é incrivelmente simples e prático. “Temos tudo o que precisamos. Está tudo bem. Temos água, o que é conveniente. No Inverno é tudo feio, porque as estradas ficam muito lamacentas.”

A fuga, em Agosto de 2014, está presente, porém, na memória de todos. Mesmo das crianças. Maryam Waleed nunca mais se esqueceu daqueles minutos em que, como num sobressalto, toda a sua vida mudou. “Antes de sairmos de Qaraqosh, um vizinho veio ter connosco e disse-nos que tínhamos que sair imediatamente. Ouvimos bombas a cair. Morreu uma criança. Deixámos Qaraqosh às 11h da manhã.”

 

Sem ódio

Maryam viveu uma experiência dolorosa. Viu a guerra com os seus próprios olhos. Viu as lágrimas de dor e de impotência dos pais, dos vizinhos. Dos amigos. Foi obrigada a fugir e a deixar para trás tudo o que tinha: os brinquedos, os livros de que mais gostava, as roupas favoritas. Tudo. Viu os pais a olharem em volta, ainda em casa, à procura do que poderiam salvar, como se fosse possível colocar dentro de uma mala uma vida inteira… Hoje, quase dois anos depois, esta menina não tem palavras de ódio. Pelo contrário. “Rezo por todos, pelos doentes, por aqueles que não pediram a minha oração, e rezo pelos jihadistas, para que o amor mude os seus corações um dia.”

Maryam Waleed Behnam frequenta o quinto ano numa escola dirigida por Irmãs Dominicanas, em Erbil. Diz que gosta de estudar e que, quando crescer, gostaria de ser médica ou religiosa. Ou as duas coisas ao mesmo tempo… Estes cristãos, que vivem em campos de refugiados, foram visitados, há dias, por uma delegação da Fundação AIS. O Papa Francisco, quando soube desta viagem, fez questão de lhes entregar um donativo pessoal, destacando o trabalho desenvolvido pela Ajuda à Igreja que Sofre junto destas famílias que se encontram “numa situação de aflição e tribulação”. Uma destas famílias é a de Maryam. Ela gostaria de, um dia, voltar para casa, para a sua casa. Até lá, não nos pede nada do que seria normal numa menina de apenas 10 anos. Nem brinquedos, nem roupa, nem dinheiro. Apenas orações. Pede que rezemos por ela. “Por favor, rezem por mim.” Como poderemos nós ignorar estas palavras?

texto por Paulo Aido, Fundação Ajuda à Igreja que Sofre
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