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Que Europa somos nós?
A poucos dias das eleições para o Parlamento Europeu, o prognóstico mais comum é o de uma taxa de abstenção muito elevada, talvez mesmo a mais elevada de sempre. O desinteresse dos cidadãos perante o futuro da União Europeia parece, assim, crescente. Como de outras vezes, discutem-se as causas desse desinteresse e as medidas necessárias para o contrariar.

Mais do que analisar uma ou outra inovação no plano político ou jurídico, ou a eficácia das estratégias de comunicação das instituições europeias, parece-me fundamental reflectir sobre os valores que poderão servir de alicerce ao sentimento de pertença e coesão espiritual que deveria mobilizar os cidadãos em torno do projecto de unidade europeia. É nesse plano que o projecto tem falhado.

É verdade que a União Europeia procura destacar-se no cenário internacional pela fidelidade aos valores dos direitos humanos, da justiça social e da protecção do ambiente e é vista noutras áreas geográficas e políticas como modelo a seguir nestes âmbitos. O actual contexto de crise económica é, para muitos, uma ocasião de redescobrir as virtualidades do chamado modelo social europeu.

Mas não podemos ignorar também posições assumidas por representantes da União Europeia em instâncias internacionais que se destacam por ser sistematicamente orientadas no sentido da promoção do aborto (incluído entre os chamados direitos sexuais e reprodutivos) ou, mais genericamente, do desrespeito pela vida pré-natal, e também no sentido do ataque à família "tradicional". Não sei com que legitimidade o fazem, situando-se estas questões, que estão longe de ser consensuais para os povos europeus, até fora do próprio âmbito de competências das instituições europeias. Mas é um facto que o fazem. Estas posições não contribuem para mobilizar muitos europeus que com elas sentem agredidos os valores mais preciosos que comungam.

Mas a solução não passa, de modo algum, pela abstenção e pelo desinteresse.

Recorda a nota da COMECE (Comissão dos Episcopados da Comunidade Europeia) a propósito destas eleições: «a participação dos cristãos é essencial para redescobrir "a alma da Europa", vital para responder às necessidades fundamentais da pessoa humana e para o serviço do bem comum». Para a COMECE, os membros do Parlamento Europeu devem contribuir activamente para respeitar a vida humana desde a concepção à morte natural; apoiar a família fundada no casamento – entendido como união entre um homem e uma mulher – enquanto célula base da sociedade; promover os direitos sociais dos trabalhadores; apoiar uma governação económica fundada em valores éticos; promover a justiça nas relações como os países em desenvolvimento; dar provas de solidariedade na elaboração de políticas de ajuda para com os mais fracos e os mais necessitados da nossa sociedade (em particular, as pessoas com deficiência, os que pedem asilo e os imigrados), proteger a Criação através da luta contra as mudanças climáticas e do encorajamento de um estilo de vida assente na moderação; promover a paz no Mundo.

E também o recordou o Papa Bento XVI na sua visita a França: «Quando o Europeu vir e experimentar pessoalmente que os direitos inalienáveis da pessoa humana, desde a sua concepção até à sua morte natural, tal como os direitos relativos à sua educação livre, à sua vida familiar, aos seu trabalho, sem esquecer naturalmente os seus direitos religiosos, quando o Europeu vir que estes direitos, que constituem um todo indissociável, são promovidos e respeitados, então compreenderá plenamente a grandeza da construção da União e tornar-se-á seu construtor activo».

Passará, pois, por aqui, o antídoto contra o desinteresse e a abstenção.