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Saber perdoar mesmo após 27 anos de prisão
O segredo do padre Ernest
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Esteve preso 11 mil dias. Foi um tempo terrível em que sofreu torturas e trabalhos forçados. Contra todas as expectativas, sobreviveu. Hoje, o padre Ernest Simoni, um dos símbolos da perseguição aos cristãos durante a ditadura comunista na Albânia, recorda esse tempo como quem revela um segredo.

 

Foram 27 anos de prisão. A sua história, que já emocionou até às lágrimas o Papa Francisco, é um exemplo extraordinário de perseverança na fé. Na quarta-feira, dia 20 de Abril, o Santo Padre voltou a abraçar este sacerdote de 85 anos, cabelos brancos e sorriso doce. Já tinham estado juntos em Setembro, quando Francisco visitou a Albânia. Então, como agora, abraçaram-se comovidos. É difícil alguém ficar indiferente à história do padre Ernest. Preso na noite de Natal de 1963, em plena ditadura comunista de Enver Hoxha, dificilmente o padre Ernest conseguiria imaginar todo o tormento por que iria passar nos 27 anos seguintes. Um tormento imenso a que foi condenado apenas pelo facto de ser sacerdote. Apenas isso. Hoje, ao recordar esses tempos, ao lembrar as horas intermináveis na minúscula e escura cela, o padre Simoni é capaz de reduzir tudo a uma simples e quase banal frase: “Fui preso e colocado numa cela de isolamento, torturado e condenado à morte”. Acabou por não ser fuzilado mas enviado para as minas e os esgotos. Seria aí que cumpriria a sentença de “trabalhos forçados”.

 

Rezar às escondidas

No entanto, hoje, desse período terrível da sua vida prefere lembrar as celebrações da missa e a distribuição da comunhão às escondidas. O regime pendeu-o, torturou-o mas nunca conseguiu privá-lo da sua verdadeira liberdade. A história deste sacerdote é um símbolo da resistência dos cristãos na Albânia durante os anos terríveis em que o regime comunista procurou eliminar Deus da sociedade, prendendo, torturando e matando sacerdotes, religiosas e leigos. Milhares de pessoas sofreram na pele esta violência. Apesar disso, nunca se deixou de rezar o Pai-Nosso na Albânia, nem que fosse às escondidas, nem que fosse em murmúrios. Hoje, quando fala desses anos de chumbo, o padre Ernest recorda o exemplo de muitos fiéis que, instantes antes de serem fuzilados, gritavam: ‘Viva Cristo Rei!’. É difícil compreender, por vezes, onde as pessoas vão buscar tanta coragem. O padre Ernest fala dos seus tempos na prisão, nos seus 11 mil dias encarcerado, como se estivesse a revelar o seu segredo mais profundo: “Sempre rezei a Jesus”.

 

Palavras de perdão

Há datas que nunca se esquecem. O padre Ernest Simoni sabe que foi preso no Natal de 1963 e nunca mais irá esquecer o dia em que foi libertado: 5 de Setembro de 1990. O seu primeiro gesto, as suas primeiras palavras, foram para os algozes, os que o mantiveram detido, os que o obrigaram a trabalhar nas minas e nos esgotos. Os que o torturaram. “Para eles invoco constantemente a misericórdia de Deus.” Ernest era, de facto, um preso especial. Sorria em vez de protestar. Muitas vezes estaria a falar sozinho. Rezava, claro. Deverão tê-lo julgado a enlouquecer, desconhecendo os carcereiros que a sua loucura era outra, vinha de Deus. “Na prisão celebrei de cor a missa em latim e também distribuí a comunhão. Não fiz nada de extraordinário. Sempre rezei a Jesus, sempre falei a Jesus.”

 
Tempo novo

O regime albanês ia procurando apagar, aos poucos, todos os sinais da presença de Deus na sociedade. As igrejas foram fechadas, muitas delas acabaram mesmo transformadas em lojas ou ginásios. Com os padres e as religiosas nas cadeias, seria apenas uma questão de tempo até ao ateísmo total, julgavam. Mas foi o regime que colapsou, não a fé que desertou das pessoas. O Papa Francisco encontrou-se já por duas vezes com o padre Ernest Simoni. Em Setembro, do ano passado, quando visitou o país de Madre Teresa de Calcutá, e agora, no passado dia 20 de Abril, quando o padre Ernest se deslocou ao Vaticano. Em ambas as ocasiões, o encontro foi emotivo e as lágrimas do Papa disseram mais do que quaisquer palavras. A Igreja da Albânia passou por um período terrível de trevas. Hoje, o país precisa da nossa ajuda para recuperar todo o tempo perdido. A Fundação AIS procura apoiar os cerca de dez por cento de católicos que vivem na Albânia através da ajuda concreta em projectos relacionados com a edificação de igrejas, centros paroquiais e – o que é essencial – a revitalização da comunidade eclesial. Num país muçulmano, de maioria sunita, a Igreja Católica desempenha hoje um papel essencial. O exemplo de santidade de Madre Teresa de Calcutá, ou o heroísmo discreto do padre Ernest são, seguramente, sementes de um tempo novo que só o perdão pode construir.

texto por Paulo Aido, Fundação Ajuda à Igreja que Sofre
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