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As Irmãs Dominicanas e os refugiados cristãos no Curdistão iraquiano
O tesouro da fé
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Refugiadas entre refugiados, as Irmãs Dominicanas são um exemplo para todos nós. Em Erbil, onde vivem agora, estas irmãs procuram secar as lágrimas dos que, como elas, perderam tudo menos a fé. Esse é o tesouro que os jihadistas não conseguiram roubar. Tudo o resto ficou para trás.

 

Às vezes o passado é uma armadilha. Está sempre presente, mesmo quando o queremos evitar, mesmo quando precisamos de o esquecer. As Irmãs Dominicanas de Santa Catarina de Sena vivem em Erbil desde o fim da tarde de 6 de Agosto de 2014. Elas são apenas uma parte do enorme grupo de refugiados oriundo da cidade de Qaraqosh. Desde então, estas irmãs não querem recordar mais esses momentos de medo em que tiveram de fugir, juntamente com milhares de pessoas, perante a iminente ocupação da cidade pelos jihadistas do auto-proclamado “Estado Islâmico”. Desde esse dia 6 de Agosto que estas irmãs não querem recordar essa tragédia, mas não conseguem esquecê-la. As suas vidas, como a de todos os outros que agora moram em Erbil, estão presas ao passado. São todos refugiados.
Quando chegaram a Erbil, nesse princípio de noite de 6 de Agosto, o pânico estava presente em todos os rostos. Homens, mulheres e crianças eram todos como ovelhas sem pastor. A Irmã Diana Momeka dificilmente se esquecerá do choro das crianças, da aflição dos pais, da impotência de todos perante a voragem dos acontecimentos. “Todas aquelas pessoas deixaram as suas casas para trás”, recorda. Horas antes, todos eles tinham casas, carros, empregos, uma vida estável. Depois, chegaram os jihadistas. Fugiram. Agora, estavam ali, perdidos, sem nada, “como se fossem autênticos sem-abrigo”.

 

Refazer vidas

Nos primeiros tempos, o alvoroço prevaleceu em todas as conversas. Ninguém acreditava verdadeiramente que iriam ficar por ali. Tudo não deveria passar de um pesadelo. Apenas isso. No entanto, os dias foram-se sucedendo e todos começaram a compreender que aquele campo de refugiados seria mais do que um lugar de passagem. E já lá vão vinte meses… As primeiras noites foram dormidas ao relento, no chão da rua. Depois chegaram tendas e, mais tarde, os primeiros contentores. É aí, nesses contentores, que a maioria destes refugiados procuram agora refazer as suas vidas. Por ali, em Erbil, junto dos refugiados, as irmãs procuram todos os dias semear sorrisos onde há apenas, tantas vezes, rostos fechados, olhos em lágrimas, palavras pesadas. Os próprios contentores que se transformaram em habitações são exemplo de como não é fácil aceitar uma realidade tão dura. Como diz a Irmã Maria Hanna, numa carta enviada à Fundação AIS no princípio deste ano em que pede as nossas orações, “estes contentores não foram pensados para alojar famílias”. “São extremamente frios no Inverno e quentes no Verão”, explica.

 

Refugiadas como todos

Desde 6 de Agosto de 2014 que estas irmãs se confundem com a multidão dos refugiados. Desde o primeiro instante que assumiram como principal missão prestar assistência às centenas de crianças forçadas a fugir, com os seus pais, do terror dos jihadistas. Criaram-se escolas, procuraram-se sarar feridas, alimentar esperança para o futuro. No entanto, apesar da aparente normalidade dos dias que se vão sucedendo, por ali ninguém desconhece como tudo é ainda tão frágil. Na verdade, todos querem partir, como se Erbil fosse apenas um ponto de passagem entre o passado roubado e um futuro que terá ainda de ser construído. É rara a semana em que não há notícia de alguma família que se tenha aventurado a partir rumo ao Líbano, Jordânia ou Turquia. É rara a semana em que as salas de aulas das irmãs não ficam com menos crianças. Aos poucos, muito lentamente, há um esvaziar de pessoas, como se todos precisassem de fugir de uma sombra maldita. Para a Irmã Maria Hanna, nada disto é inesperado. “Aqui, tudo é desconhecido e incerto. Por isso, não é estranho ver as pessoas a partir. Rezamos para que as portas da divina misericórdia se possam abrir para estes irmãos e irmãs, e que eles possam encontrar pessoas que os acolham.”

 

Tempos de incerteza

As irmãs decidiram ficar. Expulsas de Qaraqosh, é ali que sentem agora ser o seu lugar. Lá longe, num passado que parece já demasiado distante, ficou o convento onde viveram, onde rezaram, onde foram felizes. Um convento que foi profanado, que está em ruínas. O futuro está agora, como sempre esteve, nas mãos de Deus. Ali, em Erbil, em pleno Curdistão iraquiano, a vida de todos está suspensa entre um futuro que se desconhece e um passado cheio de lágrimas. São tempos difíceis. São tempos em que a própria fé está a ser posta à prova. “Peço as vossas orações – diz a Irmã Hanna – para que Deus nos ilumine e nos conceda a sabedoria para discernirmos a nossa realidade, apesar de todas as dificuldades e pressões que estamos a viver.” As irmãs decidiram ficar em Erbil enquanto houver refugiados. Enquanto alguém precisar delas. Em Erbil, estas irmãs procuram secar todos os dias as lágrimas dos que, como elas, foram forçados a fugir. Ali à volta, no campo de refugiados, os cristãos vivem como que numa ilha. São pouco mais do que sem-abrigo. O que tinham ficou em Qaraqosh. Perderam tudo menos a fé em Jesus. Ali, em Erbil, esse é o tesouro que os jihadistas não conseguiram roubar. Tudo o resto ficou para trás. Sobrou a fé.

texto por Paulo Aido, Fundação Ajuda à Igreja que Sofre
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