Lisboa |
Casa Mãe do Gradil
Independentemente do passado, o futuro existe!
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É uma casa como qualquer outra, mesmo tendo a particularidade de acolher 50 raparigas, entre os 9 e os 24 anos. A Casa Mãe do Gradil está dividida em cinco vivendas, cada uma com dez raparigas, e procura dar um horizonte de esperança. “O futuro constrói-se já e está nas mãos delas”, aponta a diretora da instituição.

 

“Esta é a minha casa! Gosto muito de viver aqui”. É com esta frase que Maria (nome fictício), uma das 50 raparigas que mora na Casa Mãe do Gradil, termina uma visita guiada à sua própria casa. De sorriso no rosto, mostra-nos, animada, uma das cinco vivendas que compõem este lugar bem perto de Mafra. “No andar de baixo temos a sala e a cozinha e em cima os quatro quartos – três para nós e um para a madrinha, com suíte. Nós temos a nossa casa de banho comum, com dois polibans, duas sanitas e três lavatórios, dois de tamanho normal e um mais pequeno para as mais novas”, descreve ao JORNAL VOZ DA VERDADE esta rapariga, enquanto vai ajeitando uma ou outra coisa fora do lugar.

A azáfama era grande na manhã da passada segunda-feira, 4 de julho. Afinal, as raparigas da Casa Mãe do Gradil iam iniciar, naquele dia, a colónia de férias, que este ano decorre em Setúbal, até este Domingo, dia 10. As vivendas estavam assim em ‘modo férias’, com as persianas descidas, as camas desfeitas e os lençóis e cobertores dobrados por cima. “Atenção que falta estender esta máquina de roupa”, alerta a diretora da Casa Mãe do Gradil, Sofia Parente, que acompanha a visita guiada, perante o olhar resignado das duas adolescentes que mostravam a casa, já com o pensamento mais focado nas férias do que propriamente nas tarefas domésticas. “Aqui, procuramos responsabilizá-las”, segreda ao Jornal VOZ DA VERDADE a diretora, enquanto olha para as raparigas que iniciam a lida.

 

Uma casa normal

Situada no Gradil, uma aldeia rural do concelho de Mafra a menos de 40 quilómetros de Lisboa, a Casa Mãe acolhe atualmente 50 raparigas, entre os 9 e os 24 anos. “A média de idades está nos 15 anos e temos raparigas sobretudo de Portugal, mas também algumas africanas e duas de países de leste”, revela Sofia, que é desde há dois anos diretora do Centro Social Paroquial de São Silvestre do Gradil, nome oficial da Casa Mãe do Gradil (www.casamae.org). Esta responsável faz a descrição de todos os espaços da instituição: as vivendas, “todas construídas de raiz”, o edifício sede, “com os espaços comuns, a lavandaria, a cozinha, o refeitório, o salão, os gabinetes técnicos e diversas salas de apoio”, o espaço ‘Aprender e Brincar’, “uma espécie de ludoteca, com livros, jogos, televisão e zona de recreio”, e ainda uma grande área ajardinada, que envolve toda a ‘quinta’.

São então cinco as vivendas dentro da Casa Mãe do Gradil: uma, “a casa das pequenas, acolhe as raparigas mais novas, até aos 12 anos”; outra recebe “as raparigas que já estão numa fase mais autónoma, é a casa de pré autonomia”; as restantes três casas “são heterogéneas, a partir dos 13 anos”. “Procuramos um ambiente totalmente familiar, o mais próximo da realidade familiar possível”, frisa Sofia. As cinco casas têm “alguma independência, em especial quanto a algumas regras de funcionamento interno, ao nível até das ementas e refeições – porque há as regras da instituição que são genéricas”. Apenas o almoço é tomado em conjunto por todas as raparigas da Casa Mãe, no edifício sede. “As compras para cada casa são feitas pelas raparigas, junto da nossa central”, explica a diretora.

Cada uma das cinco casas é acompanhada por uma equipa de quatro elementos, “que acompanha sempre as mesmas 10 raparigas”. “Quando chegam da escola e durante o dia, as raparigas são apoiadas por uma educadora; depois temos as madrinhas da noite, porque quem as deita é quem as levanta, e temos um psicólogo e um assistente social ou educador social, também afeto à casa. Esta equipa é sempre a mesma para cada casa”, descreve Sofia. As educadoras do dia “apoiam nos trabalhos de casa e nas atividades extracurriculares” das raparigas, enquanto as madrinhas da noite “fazem o jantar em conjunto com as meninas, ajudam a tratar das roupas e da higiene da casa, ensinam as regras básicas de higiene pessoal”. As madrinhas de fim-de-semana fazem as noites de sexta e sábado “e são também sempre as mesmas pessoas para cada casa”. “Costumo dizer que somos uma casa de mulheres para mulheres. Mas procuramos que as raparigas saibam quem são os seus adultos de referência”, aponta a diretora, salientando “não ser fácil escolher pessoas disponíveis para este tipo de horários e de trabalho”. “Não é fácil conseguir gerir tudo isto, porque as problemáticas que existem são diferentes das de nossas casas e têm consequências que se revelam ao nível de comportamentos e de hábitos”, manifesta. Sofia salienta ser “muito raro” haver “uma mudança de casa de alguma rapariga”. “Nas nossas casas também não mandamos os filhos embora porque se portam mal”, frisa.

As rotinas nas casas da Casa Mãe são como em qualquer outra casa: “As raparigas acordam, fazem a sua higiene, tomam o seu pequeno-almoço, vão de transportes públicos para as várias escolas aqui da zona, regressam, fazem os trabalhos de casa, jantam e depois, dependendo das fases do ano, há uma hora de recolher obrigatório, digamos. É uma rotina perfeitamente normal”. A catequese e a Missa aos Domingos de manhã “fazem também parte da vida semanal da casa”. “É algo que faz parte da nossa formação”, garante Sofia, definindo que “o projeto educativo da casa é CRER – Caridade, Respeito, Estar e Responsabilidade”.

Das 50 raparigas institucionalizadas, a Casa Mãe tem atualmente duas a estudar fora: uma está a tirar o mestrado, em Campo Maior, e outra está na universidade, no Algarve. “Vêm a casa aos fins-de-semana e nas férias”.

 

Uma ‘quinta’

Criada no Dia da Criança, em 1 de junho, do ano de 1948, por D. Maria de Jesus Alcântara Ferreira – “uma senhora da terra, com posses, que começou a acolher crianças que, por condições económicas, não tinham boas condições nos seus lares” –, a Casa Mãe, com o passar dos anos, “começou a acolher cada vez mais meninas”. No início dos anos 80 do século passado, a fundadora adoece e pede ajuda ao Patriarcado de Lisboa. “Foi então que vieram para cá religiosas”, conta a diretora. Estávamos em 1984 e, diz a história, por não haver nenhuma congregação nacional disponível, a Casa Mãe do Gradil passou a ter os cuidados de uma congregação espanhola, as Irmãs Dominicanas da Anunciata. Cinco anos mais tarde, em novembro de 1989, é celebrado um acordo de cooperação com a Segurança Social, mas a instituição “sobrevive graças aos muitos amigos e benfeitores”. “Sem eles, não era possível construir o futuro destas raparigas”, assegura Sofia Parente. Atualmente, a Casa Mãe do Gradil conta com 27 funcionários e cerca de 20 voluntários e, além do lar de infância e juventude com capacidade para as 50 raparigas, a instituição tem ainda a valência de apoio domiciliário, com loja social e funcionando como centro de recursos comunitário. “Procuramos a intergeracionalidade entre as raparigas e os idosos. As pessoas do Gradil e das terras à volta recorrem muito à Casa Mãe. O que podemos, ajudamos”, garante Sofia.

No ano 2003, a instituição deixou a casa apalaçada onde funcionava. “Era uma casa antiga, que funcionava com um sistema de camaratas”, observa a diretora. Foi então que passou para o espaço onde atualmente se encontra, um polo, em forma de quinta. Antonieta Pina é vice-presidente da Casa Mãe do Gradil, mas entre 1998 e 2014 foi a encarregada geral da instituição e, ao Jornal VOZ DA VERDADE, lembra que a atual quinta “foi doada à Casa Mãe há já alguns anos” e foi feita “a construção das novas instalações”. Da inauguração, há 13 anos, pelo então Cardeal-Patriarca D. José Policarpo, Antonieta guarda o “dia muito feliz”. “Foi a concretização de um sonho que já existia há muitos anos. Foi realmente um começar de novo, com a alegria de poder proporcionar às raparigas uma dignidade que elas precisavam”. Com esta mudança, o número de raparigas passou então de pouco mais de 30 para as atuais 50. “Quando entrei para a Casa Mãe, as pequeninas eram a maior faixa etária. Hoje é ao contrário”, refere Antonieta Pina.

 

Construir um futuro

A Casa Mãe está preparada para receber crianças a partir dos 3 anos, mas atualmente a rapariga mais nova tem 9 anos. A diretora, Sofia Parente, aponta que “a institucionalização de crianças é cada vez mais tardia”. “As crianças, hoje em dia, ficam com as famílias até à situação limite, porque se tenta trabalhar as famílias. A institucionalização é o último recurso; a questão é que, sendo o último recurso, por vezes pouco se pode fazer”. Sofia não esconde ser “complicado acolher uma rapariga com 16 ou 17 anos”. “Aquilo que podemos fazer por elas diminui. É muito diferente aquilo que se consegue fazer quando as raparigas entram mais novas ou adolescentes e jovens já feitas. A nossa mais velha tem 24 anos, está a acabar o mestrado, e entrou na casa com 6. Outra, que tem 21 anos, está no 2º ano da universidade e também entrou com 6”, aponta.

Cada rapariga é uma história diferente. “Temos vários projetos de vida. Algumas raparigas passam cá uns meses porque a retirada da família é necessária, devido por exemplo ao absentismo escolar e à incapacidade parental para lidar com este tipo de situação, e há casos em que elas voltam às famílias. Outras, o futuro passa mesmo pela autonomização, ou seja, ficam até terminarem os estudos e depois tornarem-se autónomas”, descreve Sofia Parente. Quanto aos namorados, “a partir dos 30 anos podem namorar”, brinca, sublinhando que “as raparigas namoram na escola e os namorados só vêm à instituição numa festa da Casa Mãe, por exemplo”.

Questionada sobre o que é mais difícil de lidar com estas raparigas, a diretora da Casa Mãe do Gradil faz uma pausa, sorri, suspira, levanta o olhar e em tom esperançado responde: “Acima de tudo, é fazê-las acreditar que, independentemente do passado que têm, o futuro existe! E esse futuro constrói-se já, aqui e agora, no presente, e isso está nas mãos delas. É importante não passarmos por uma questão permanente de vitimização – de que ‘o meu ciclo vai ser este’ ou ‘o meu futuro está escrito porque estou institucionalizada’ –, porque nós não conseguimos controlar o passado e aquilo que nos fizeram, mas a partir de certa altura a responsabilidade para construir um futuro também é nossa. Temos de fazê-las acreditar que há futuro e que a responsabilidade também é delas”.

 

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Criar relação

O pároco do Gradil, padre Paulo Serra, é o presidente da direção da Casa Mãe do Gradil há 11 anos e garante que vê “Deus a atuar” diariamente na instituição. Ao Jornal VOZ DA VERDADE, este sacerdote de 44 anos salienta a necessidade de criar relação entre a paróquia e a Casa Mãe. “Como as raparigas não são naturais do Gradil, não há logo uma empatia ou facilidade de ligação com a comunidade, nem o sentido de pertença. Mas temos procurado que isso aconteça, na envolvência, no convidar os voluntários, na visita à Casa Mãe quando há festas”. O projeto da colónia de férias, segundo refere, conta somente com a participação de famílias do Gradil, algumas delas acompanhadas dos filhos. “A colónia de férias que está a decorrer esta semana visa também convidar a comunidade a participar neste projeto da Casa Mãe. As raparigas não são de cá, mas temos a responsabilidade de as educar, de as ajudar a crescer e a serem felizes”, manifesta.

Enquanto seminarista, o padre Paulo já tinha realizado trabalho pastoral na instituição, entre os anos 2000 e 2002. Hoje, a Casa Mãe do Gradil recebe também a presença de quatro seminaristas do Seminário dos Olivais, que vão “dar a conhecer Deus, que é um porto seguro para toda a gente”.

texto e fotos por Diogo Paiva Brandão
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