Artigos |
António Bagão Félix
A barbárie

Uma questão de minutos. Poucos. Eu e a minha mulher estávamos no espaço do hediondo atentado. No meio de uma multidão. De gente que se queria divertir num dia de grande simbolismo para França. Sobretudo de famílias inteiras, muitas de três gerações. Havia muita música, alegria, as crianças felizes à espera de andarem de trotinete, de comerem guloseimas, de fazerem bolinhas de sabão. Junto ao mar, as praias estavam cheias como se fosse pleno dia. Tudo era espaço de passeio incluindo aquilo que seria minutos depois a pista da morte. Esperava-se o fogo-de-artifício que vinha de embarcações no Mediterrâneo. Vimos o espectáculo, sempre igual e sempre diferente. Sentimos frio, o vento era forte e no silêncio do nosso entendimento começámos a caminhar para o nosso hotel na mesma avenida a cerca de pouco mais de um quilómetro do local da barbárie.

Um fio, um acaso, uma aragem nos pode separar do local errado, para uns e do local certo, para outros. O sentimento de total discricionariedade. A interrogação sobre esta fronteira. A passagem de um mundo de incerteza e de risco para um tempo dos seus graus mais superlativos: a total imprevisibilidade e o medo pelo medo.

Estou a escrever estas breves palavras na manhã depois de um acto que nos faz interrogar sobre a face mais selvagem do ser humano e do horror da incivilidade destrutiva. Agora é o silêncio nesta bela avenida, apenas interrompido pelos aviões na aproximação ao aeroporto e pelas sirenes de ambulâncias.

O que mais retenho na minha mente e no meu coração é imaginar meninas e meninas que observei naquelas horas, tão felizes agora roubadas nas suas vidas de esperança. E, sempre, a inquietude e interrogação sobre o que chamamos o acaso, o destino, o fado. E eu que tenho fé, pergunto-me: porquê, meu Deus?