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Guilherme d'Oliveira Martins
Um buscador de Deus na Arte

Quando há dias tivemos a notícia de que José Rodrigues (1936-2016) nos tinha deixado, com a serenidade e a simplicidade que sempre o caracterizaram, ouvimos as lúcidas palavras de D. José Cordeiro, Bispo de Bragança – Miranda. E que nos disse? Que o artista era um «buscador autêntico de Deus na Arte». E deu graças a Deus pelo dom da sua vida e pelo rasto de beleza que nos legou. Tive o gosto de o conhecer pessoalmente e de testemunhar a sua extraordinária generosidade. Confirmo plenamente tal apreciação. Era alguém para quem a Arte era uma procura da beleza e da partilha com os outros. Com ele se poderia compreender o sentido profundo de «agapé», como o amor cristão. Para José Rodrigues, a Arte era contraditória com a facilidade ou com as rotinas. Por isso, disse um dia ao atual Bispo de Bragança que seria necessário «meter poesia e encanto nos espaços e nas liturgias da Igreja». E não podemos esquecer a plêiade de artistas do Movimento de Renovação da Arte Religiosa, nas vésperas do Concílio Vaticano II que antecipou esta atitude – em que se integrou José Escada, que tem agora uma extraordinária exposição na Fundação Calouste Gulbenkian, onde se sente uma nítida e intensa espiritualidade. José Rodrigues é também um exemplo dessa procura incessante pelos caminhos da Arte de uma beleza capaz de tornar mais humana a vida. Tem havido um grande debate sobre a necessidade de renovação da Arte Religiosa. De facto, torna-se fundamental romper com o risco de fechamento ou da facilidade. A qualidade tem de ser superlativa! Na catedral de Bragança, José Rodrigues está bem presente com o seu extraordinário talento – a Pietá, os sete vitrais com as últimas sete palavras de Jesus na cruz, a anunciação a S. José, a imagem de S. Bento, padroeiro da Europa e da diocese… Como lembra, D. José Cordeiro, nesta sentida homenagem, Tonino Guerra, o poeta e escritor italiano diz: «Não sei o que é a Arte. A Arte é uma coisa que nos faz companhia, uma coisa pobre que nos enriquece, embora se saiba que o mistério nunca é iluminado completamente». José Rodrigues compreendeu melhor que ninguém esta realidade. «Não sou, procuro não ser funcionário das artes»… Nesse sentido, a sua criação é sempre uma busca, muito sofrida, mas simultaneamente muito essencial.

«Existe um pouco de “Deus” na obra de José Rodrigues» – diz ainda o prelado brigantino, recordando que ela «busca o coração da sabedoria e da “inocência”. Conheci-o na intimidade da sua casa (continuo a citar), do seu “convento”, da sua família e na alegria dos amigos, Apreciei e estimei muito a sua simplicidade, bom humor, proximidade, amizade e humanidade tão bem expressas nas coisas belas da sua mestria». Penso que está tudo dito, sobre a sua personalidade fantástica e sobre a sua capacidade sonhadora – não de um sonho desenraizado, mas de algo profundamente ligado à dignidade do ser. Era naturalmente simples, sem falsa modéstia. Era genuíno e próximo, cultivava a ironia e o humor, como que buscando o autêntico significado do «riso de Deus». E vivia a amizade como marca de compreensão e como capacidade de ir ao encontro dos outros. Quem o conheceu bem, sabe dos sacrifícios que tantas vezes fez para acorrer à dificuldade ou à provação de quem às vezes até abusou da sua extraordinária boa fé e genuinidade… Nunca lhe ouvimos, porém, uma queixa ou um ressentimento, apesar de percebermos a tristeza… Soube seguir os trilhos do bom samaritano, sempre preocupado em que disso ninguém desse nota ou se apercebesse. Afinal, considerava que nesses casos não fazia mais do que a sua consciência lhe ditava. Isso aconteceu e merece ser lembrado!

Há dias, José Tolentino Mendonça lembrava-nos Rainer Maria Rilke a dizer: «ser pessoa não significa contar, não se trata de contar o tempo: trata-se, sim, de crescer como a árvore que não apressa a sua seiva e resiste serena». José Rodrigues, fundador da cooperativa Árvore, animador da Bienal de Vila Nova de Cerveira, com Ângelo de Sousa, Armando Alves e Jorge Pinheiro, um dos «Quatro Vintes», era assim - alguém para quem vida e arte se interpenetravam naturalmente. Usando a expressão de Flannery O’Connor, o artista preocupou-se com a observação, com a especificidade, com a verdade, não ignorando o que parecia ser superficial, porque corresponde ao imediatamente visível – importaria, sim, separar a natureza da Graça, o facto evidente do seu significado enigmático. É este encontro que deparamos em José Rodrigues…