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P. Manuel Barbosa, scj
Simplesmente Contemplar
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Estamos em setembro, habitual tempo de correria e azáfama, após um período de férias e retempero para quem disso pôde usufruir.
É o recomeço das aulas, com o que isso implica em preparar, e custosamente comprar, materiais para que os filhos iniciem, ou recomecem, a aprendizagem do saber nas várias escolas, onde infelizmente nem sempre o Estado respeita a liberdade de escolha de ensino para os seus filhos.
É o tempo do relançamento das atividades pastorais em todos os sectores de atividade nas dioceses e paróquias, nos institutos e comunidades de vida consagrada, nos movimentos e associações, onde não faltam planos e diretrizes.
É o tempo ainda de grandes jornadas de estudo e reflexão a nível nacional, como nas áreas da cultura, da comunicação, da ação social, da liturgia, das missões, entre outras.
É o tempo de retiros ou exercícios espirituais para padres, consagrados e consagradas, umas vezes levados no silêncio orante que plenifica a vida, outras sem longos espaços para tal desiderato.
É o tempo de continuar, em intensidade e aumentação, a vivência do Ano Santo da Misericórdia, com tantas iniciativas em Roma e nas Igrejas locais.
É o tempo também, a nível da sociedade, das «rentrées» políticas, onde os partidos pretendem apresentar programas e diretrizes, muitas vezes na mútua digladiação em que raramente surgem propostas efetivas de interesse para o bem comum.
Corremos, realizamos, programamos, cansamos e cansamo-nos... Em tudo isto, e muito mais, onde cabe o contemplar, o estar, o saborear?
Neste tempo de verão, três momentos me provocaram neste sentido. Em dois retiros que orientei, tivemos longos tempos para contemplar a nossa vida estando próximos e íntimos do Único Senhor das nossas vidas, Jesus Cristo. Também houve meditações refletidas que foram convite à contemplação da misericórdia do Coração de Deus no nosso coração.
Antes de uma intervenção cirúrgica a que fui urgentemente convocado (coisas da saúde e da vida!), estando já no processo anestésico, uma das médicas disse para ter calma e serenidade, sugerindo que contemplasse (em imaginação, claro) o interior de uma igreja (por ser padre) e não propriamente a beleza de uma praia a espairecer no oceano (o que habitualmente recomendam). Tomei isso com humor, sem deixar de pensar, ao sair da anestesia, na profundidade da provocação. Nós que giramos tanto nas igrejas, por vezes quais senhores do templo, contemplamos verdadeiramente o que aí acontece de profunda e serena interioridade, ou assumimos atitudes de vendilhões do templo em algazarra e falatório? Cuidamos dos silêncios que significam e falam?
Indo no carro a ouvir rádio, oiço uma mãe a falar do início de ano escolar, em que de manhã cedo ia levar o seu bebé de quatro meses à creche depois dos devidos preparos, ia buscá-lo à tardinha depois do trabalho, dava-lhe banho e comida, e sempre com carinho ia adormecê-lo, além de outras tarefas a cumprir em casa, para no dia seguinte recomeçar tudo de novo. Concluía que nisto tudo «raramente estava mesmo» com o seu filhinho; noutras palavras, pouco tempo ficava para verdadeiramente contemplar este amor da sua vida.
Simplesmente contemplar, estar, saborear! Não dá para acrescentar tempos ao quotidiano da vida, mas há que contemplar a vida em todos esses tempos. É um permanente desafio humano, evangélico, cristão.
O primeiro amor é o que Deus derrama nos nossos corações pelo seu Espírito, diz-nos São Paulo. Acrescenta que nada nos pode separar desse amor. Da nossa parte, há que contemplá-lo de modo plenamente gratuito. Isso passa ao mesmo tempo por contemplar os outros, visitá-los e estar com eles sem mais, como fez Maria de Nazaré a sua prima Isabel, contemplar a natureza como dom que recebemos para bem dela cuidar.
Simplesmente contemplar! Que seja uma atitude a permanecer nas nossas vidas e famílias, comunidades cristãs e religiosas! Que este novo ano pastoral e letivo, bem preenchido certamente, tenha a marca da contemplação e da sabedoria da vida que bebemos de Deus!
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