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Guilherme d'Oliveira Martins
Sermos mais nós – em lugar da indiferença

Zygmunt Bauman no discurso pronunciado há pouco em Assis, durante o encontro internacional por ocasião dos trinta anos do «espírito de Assis» afirmou: «A história da humanidade pode ser resumida de muitas maneiras, uma das quais é a progressiva expansão do pronome nós; um nós que se contrapôs durante séculos aos outros e a um eles». E o sociólogo polaco acrescentou que estamos perante a necessidade de uma nova etapa nesta caminhada, que permita a abolição do pronome eles, como sinónimo de indiferença e de estranheza… A realidade cosmopolita que vivemos corresponde a uma dependência mútua, razão pela qual «é preciso promover uma cultura de diálogo, de uma verdadeira e própria revolução cultural». Os povos, as culturas, as religiões, os continentes ou continuarão à deriva ou terão de convergir para uma unidade, que não é mera superação das diferenças, mas tomada de consciência de que somos todos interdependentes uns dos outros. A alternativa ao «nós» para Bauman é a dependência dos demónios da divisão e da hostilidade, que conduz ao perigoso crescimento dos extremismos e do medo. «As pessoas têm medo de ter medo, mesmo sem darem uma explicação do motivo. E este medo tão móvel, por exprimir, que não explica a sua fonte, é um ótimo capital para todos aqueles que o querem utilizar por motivos políticos ou comerciais. Falar assim de guerras e das guerras de religiões é uma das ofertas do mercado» – disse o sociólogo ao jornal «Avvenire».

E urge ligar o tema ao da justiça. Recordemos, por isso, o Papa Paulo VI: «Tanto para os povos como para as pessoas possuir mais não é o fim último. Qualquer crescimento é ambivalente. Embora necessário para permitir ao homem ser mais homem, torna-o contudo prisioneiro no momento em que se transforma no bem supremo que impedir de ver mais além. Então os corações endurecem e os espíritos fecham-se, os homens já não se reúnem pela amizade mas pelo interesse, que bem depressa os opõe e os desune. A busca exclusiva do ter forma então um obstáculo ao crescimento do ser e opõe-se à sua verdadeira grandeza: tanto para as nações como para as pessoas, a avareza é a forma mais evidente de subdesenvolvimento moral» – foi Paulo VI quem o disse, na encíclica «Populorum Progressio (nº 19). A leitura desta citação permite-nos enquadrar o tema fundamental da solidariedade (o nós) à sustentabilidade económica e financeira e da justiça social. O medo tem-se baseado no egoísmo e leva à indiferença. Há, por isso, cinco pontos que não poderemos deixar de reter. Em primeiro lugar, o crescimento económico não é um fim, é um meio – não basta produzir mais, uma vez que são as pessoas e a sua dignidade que importa salvaguardar e preservar. Em segundo lugar, não é a busca do ter aquilo que mais importa, mas sim a defesa de uma relação entre as pessoas que permita, em cada momento, colocarmo-nos no lugar dos outros. Em terceiro lugar, essa consciência da importância do outro conduz-nos à necessidade de encarar a justiça social não como um subsídio, como uma esmola ou como qualquer forma de assistencialismo, mas como uma autêntica partilha justa de recursos e responsabilidades. Em quarto lugar, as políticas públicas orientadas para o desenvolvimento humano têm de preservar a igualdade de oportunidades, mas também a inclusão, a diferenciação positiva e a permanente correção das desigualdades. O dinheiro público deve ser, por isso, distribuído e utilizado com a maior das cautelas. Em quinto lugar, a sustentabilidade e o rigor económico e financeiro têm de se basear na sobriedade e no cuidado relativamente aos recursos que são postos ao dispor de todos – combatendo-se o desperdício, salvaguardando o desenvolvimento humano, prevenindo a situação dos mais pobres e das gerações futuras e não caindo a tentação de seguir uma falsa austeridade que não garanta a justiça social. Só preservaremos o ser se olharmos permanentemente para os dois pratos da balança – onde estão os bens disponíveis e as ações necessárias e urgentes para combater a injustiça. Voltando a Zygmunt Bauman urge passar da economia líquida a uma posição que permita o acesso à terra e ao trabalho… Eis como rigor e equidade têm de estar sempre presentes!