Guardo comigo o cartão de Boas Festas de Natal que há uns anos me enviou um amigo muçulmano. É um cartão com a fotografia de Alepo, cidade grande e imponente, na altura terra de convivência e de paz. Hoje só vemos destruição e o massacre dos seus filhos – “um desmoronar da humanidade”, diz a ONU – perante um mundo que conquistou a Lua, mas incapaz de impedir tão inominável indignidade.
Difícil aceitar o Natal com a guerra à volta
Não deixa de ser cínico associar o Natal com a paz e ver diariamente os horrores da guerra, da crueldade, da perseguição que julgávamos coisa do passado; e pior ainda, quando a religião “parece” entrar no rol das suas causas.
Tem o Papa Francisco insistido frequentemente que não pode haver uma religião autêntica que incite à guerra. Aos jornalistas que o acompanhavam na viagem à JMJ em Cracóvia ele dizia, no contexto da morte do Pe. Jacques Hamel por parte de dois extremistas islâmicos: “Nós, de todas as religiões, queremos a paz. A guerra querem-na os outros”. Insistiu que o mundo vive uma guerra a sério, mas não uma “guerra de religião”; antes uma “guerra de interesses, por dinheiro, por causa dos recursos naturais, pelo domínio das populações”.
Guerras de religião?
Vivemos marcados por análises sumárias e por slogans. Os muçulmanos facilmente são identificados como fundamentalistas e radicais. O mesmo poderia acontecer, num outro contexto, falando de qualquer religião, o cristianismo incluído. Mas isso é ficar na rama das coisas, em nada ajudando a estabilizar a agitação e a fúria latente na alma de tanta gente.
O fenómeno é complexo, como no caso do comerciante muçulmano Asad Sha, com a sua loja em Glasgow, junto da qual foi esfaqueado, acabando por morrer, pelo muçulmano Tanveer Ahmed, que agiu convencido de que Sha tinha desrespeitado o Islão, uma vez que tinha deixado uma mensagem de Páscoa feliz aos “infiéis”, os seus clientes e vizinhos cristãos. Foi uma motivação religiosa, fruto de um entendimento errado da mesma religião.
Mas esse fundamentalismo começa a obrigar à separação de águas entre religião e violência. Assim aconteceu com os líderes muçulmanos amadis de Glasgow que declararam: “Isto é profundamente perturbador e estabelece um precedente extremamente perigoso”. Igualmente, uns dias depois do martírio do Pe. Hamel, mais de uma centena de muçulmanos assistiram à missa na Catedral de Rouen. E noutras localidades, como em Nice e em Bordéus, várias delegações de comunidades islâmicas se deslocaram a igrejas para assim manifestarem uma clara repulsa perante “atos de horror e barbarismo”. Médicos, catedráticos, empresários, artistas, muçulmanos de fé e de cultura apelaram à “batalha contra o islão radical”.
Refugiados por causa da guerra
Um dos frutos destas guerras está no êxodo das populações, nos refugiados. Apesar da evidência desse drama, em muitos comentários se continua a fazer apelo ao medo, à desconfiança e à rejeição. Infelizmente sempre assim tem acontecido. Mas também há percursos diferentes. Recordo que no ano de 1993, em plena guerra dos Balcãs, na casa que constituía a menina dos olhos do Fundador dos Missionários do Verbo Divino, em Viena de Áustria, a comunidade religiosa decidiu disponibilizar uma parte do edifício para acolher os refugiados bósnios (muçulmanos), ficando a gestão entregue à Caritas. Para alguns foi um escândalo: muçulmanos a viverem numa casa de padres! Mas assim aconteceu. Passei um mês ali ao lado, vendo centena e meia de mulheres e crianças, com o semblante triste de quem perdeu a capacidade de sonhar. Foram refazendo as suas vidas e tentando cicatrizar feridas. Outros têm chegado de vários países e lá seguem esse calvário. Há tempos, visitava a casa com um colega, experiente missionário em África; ao chegarmos ao portão que separa a ala dos refugiados da ala da comunidade, dizia-me com convicção: “é aqui neste lugar que deveria estar o sacrário; é aqui que podemos encontrar o Senhor”.
Neste Natal pergunto-me: “Onde é que hoje posso encontrar o presépio?” Se calhar até posso homenagear o Menino com um clique no computador juntando-me a qualquer campanha de pressão para um cessar-fogo junto dos Herodes de hoje.
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