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A história de dois cristãos sequestrados em Mossul, no Iraque
A cruz escondida…
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Foram dois anos de suplício. Uma mãe e um filho, ainda adolescente, ambos cristãos, foram levados para Mossul depois de a sua aldeia ter sido conquistada pelos jihadistas. Felizmente, Jandark Nassi e Ismail conseguiram escapar daquele verdadeiro inferno mas há feridas que, muito provavelmente, nunca mais vão cicatrizar nas suas vidas.

 

Ismail tinha apenas 14 anos quando ocorreu, em Agosto de 2014, a invasão da Planície de Nínive pelos jihadistas do auto-proclamado Estado Islâmico. Ismail vivia na cidade de Bartella com sua mãe, Jandark Nassi. A conquista da região foi surpreendente. De um dia para o outro, os sinos das igrejas emudeceram por completo e todos procuraram fugir do terror que se anunciava com a chegada dos homens de negro, com a chegada dos jihadistas. Milhares de pessoas, ainda estremunhadas pela violência do que lhes estava a acontecer, fugiram como puderam e levaram consigo praticamente apenas a roupa que traziam vestida. Mas nem todos foram capazes de partir antes da chegada dos terroristas. Ismail e a sua mãe, Nassi, recordam esse dia, “essa manhã de Agosto”, da chegada dos jihadistas como algo de terrível que mudou para sempre as suas vidas. “Tentávamos sair da cidade quando eles nos aprisionaram e levaram para Mossul.” Era o princípio de uma história que os vai perseguir agora até ao resto das suas vidas.

 

Uma lista com nomes

“Tive tanto medo…” Jandark Nassi, viúva, apesar de ter apenas 55 anos, sentia que era sua obrigação proteger o filho. Afinal, ele era ainda uma criança. “Eles tinham os nossos nomes escritos… estávamos completamente separados do resto do mundo.” Levados para Mossul, a “capital” do auto-proclamado Estado Islâmico no Iraque, mãe e filho viveram as primeiras horas, os primeiros dias, em pânico, sem saberem por que estavam ali, sem saberem por que razão os jihadistas tinham uma lista com os seus nomes, desconhecendo em absoluto o que lhes iria acontecer. Até que lhes disseram que seriam livres, que poderiam regressar até a casa se renunciassem ao Cristianismo, se aceitassem a conversão ao Islão. Recusaram. Foi o começo do pesadelo.

 

Momentos de aflição

“Levaram logo o meu filho para uma prisão. Tinha apenas 14 anos…” Imagine-se a aflição desta mãe ao ver o seu próprio filho a ser agarrado e conduzido para uma cadeia, sem poder fazer nada, sem poder socorrê-lo… Imagine-se também a aflição deste jovem colocado numa prisão, sem saber o que lhe ia acontecer. “Um dia – lembra ele agora – um homem, um muçulmano xiita, foi assassinado mesmo à minha frente. E os terroristas viraram-se depois para mim e disseram: ‘Se não te converteres ao Islão, damos-te também um tiro.’” Ismail não o diz mas devem ter sido instantes de terror absoluto. Ali, numa prisão, junto ao cadáver de um homem acabado de ser assassinado, e a ser ameaçado também… Nesse instante, a sua resistência cessou por completo. O medo paralisou-o. “Foi então que lhes disse que me ‘convertia’ ao Islão.” Não foi uma conversão, foi uma cedência, uma forma de se manter vivo.

 

A cruz escondida

Mas o terror continuava. Não bastava dizer que se tinha convertido. Era preciso prová-lo. “Deram-nos um documento do ‘Estado Islâmico’ que provava que éramos muçulmanos. Assim, já podia sair às ruas, em Mossul. Mas não me sentia seguro, de forma alguma. Numa ocasião, bateram-me porque usava umas calças demasiado largas…” E que dizer quando Ismail se cruzou com um grupo de homens, vestidos com roupa cor-de-laranja, e que iam ser executados? Ou quando viu uma mulher, rodeada de jihadistas, a ser apedrejada até à morte, apesar dos gritos de clemência de algumas pessoas que estavam por ali? O filho de Jandark Nassi foi colocado num campo correccional. Foi obrigado a deixar crescer o cabelo e a pouca barba que tinha e queriam até casá-lo, para provar que era mesmo “um bom muçulmano”. Até que, um dia, um jihadista descobriu que ele usava ainda uma cruz ao pescoço. Afinal, ele era ainda Cristão!

 

Violência sem fim

Foi então que começou o maior pesadelo. Quando descobriram que Ismail usava uma cruz, que continuava, no fundo, a ser Cristão, podia ter sido logo morto. Mas era pouco mais do que uma criança. Preferiram torturá-lo por dentro. Convertê-lo à força. Obrigados a estudar o Corão, tanto ele como a sua mãe passaram a ser agredidos sempre que davam uma resposta errada ou incompleta sobre o livro sagrado dos muçulmanos. A violência parecia não ter fim quando começaram a ouvir-se os primeiros rumores de que o exército iraquiano estava não só a reconquistar a Planície de Nínive como já se tinham iniciado as operações para a libertação de Mossul. E os rumores passaram a certeza quando se verificaram os primeiros bombardeamentos nos arredores da cidade, os primeiros raides aéreos e a consequente agitação das pessoas ao saberem que a guerra tinha chegado também ali.

 

Finalmente, a liberdade

Foi na confusão de uma dessas batalhas, quando as forças aliadas começaram a resgatar bairros inteiros aos jihadistas, que Ismail e Jandark Nassi conseguiram fugir. Agitando uma bandeira branca, entregaram-se aos primeiros soldados do exército iraquiano que encontraram. “Éramos livres, outra vez!” Ismail e Nassi são apenas dois rostos da multidão de refugiados cristãos iraquianos que são apoiados diariamente pela Fundação AIS. São pessoas que perderam tudo o que tinham, que têm agora de reconstruir vidas, que têm de voltar a acreditar no futuro. Ismail e Jandark Nassi conseguiram escapar daquele verdadeiro inferno em Mossul, mas há feridas que, muito provavelmente, nunca mais vão cicatrizar. Aqueles dois anos foram um tempo que nunca mais será esquecido.

texto por Paulo Aido, Fundação Ajuda à Igreja que Sofre
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