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Populações aterrorizadas com a guerra sem fim no Sudão do Sul
“Os ataques foram brutais…”
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É um conflito tribal que já provocou mais de 10 mil mortos e dois milhões de refugiados. Ninguém está a salvo. A violência parece imparável. Quase todos os dias há relatos de violações de mulheres, de rapazes recrutados à força por grupos armados, de populações em fuga. Do Sudão do Sul chegam-nos lamentos e pedidos de ajuda.

 

No Sudão do Sul, ninguém está a salvo. A guerra no mais jovem país do mundo tem vindo a ganhar uma crueldade sem precedentes e é raro o dia em que não se conhece alguma história de horror, de violência e de destruição, de populações em fuga, de pessoas em lágrimas. A história deste conflito é, simultaneamente, a história do fracasso do Sudão do Sul como país. A independência chegou em Junho de 2011, mas os festejos foram efémeros. Em 2013, começaram a escutar-se os primeiros tiros, os primeiros ecos de uma guerra de contornos tribais, quando o presidente Salva Kiir, de etnia dinka, afastou o vice-presidente Riek Machar, do povo Nuer. Na verdade, tudo se resume a isso: a um conflito entre tribos rivais, que tem levado o país para o desastre absoluto. E ninguém está a salvo.

 

“Tudo foi saqueado”

Monsenhor Roko Taban nunca mais irá esquecer os dias de horror que se abateram sobre as cidades de Bentiu, Malakal e Bor, em Julho de 2014. Calcula-se que, então, cerca de 30 mil casas ficaram em ruínas e mais de 100 mil pessoas foram obrigadas a fugir. Foi como uma descida aos infernos. “Os ataques foram brutais. Muitas das nossas igrejas e casas foram destruídas e tudo o que tínhamos foi saqueado. Estamos num estado miserável.” Perante a violência demente de quem mata, viola, destrói tudo à sua passagem, que fazer? O Bispo de Malakal pede-nos ajuda: “Por favor, lembrem-se de nós nas vossas orações. Não nos abandonem!”

 

História de conflitos

Para muitas pessoas, será já impossível esquecer estes anos de guerra. A região tem uma história complexa, marcada por muitos conflitos. O Sudão do Sul, cuja população é de maioria cristã, rompeu com o Sudão, de maioria islâmica. Mas, apesar da independência, apesar de ter ganho uma bandeira e um hino, um presidente e um governo, o Sudão do Sul continua amarrado ao que sempre foi: uma região dominada por tribos em que prevalecem as etnias nuer e dinka. Além dos mortos, feridos e desalojados, há um número assustador de pessoas que passam por necessidades absolutas. Muitas não têm quase que comer. A Fundação AIS falou recentemente com uma irmã que nos pede para preservarmos a sua identidade, pois todos por ali correm risco de vida. Vamos chamar-lhe Judith. A situação é muito complexa. Nesta guerra tribal não há bons nem maus. Todos têm as mãos manchadas de sangue. “O exército é responsável pelo assassinato de civis inocentes e pela destruição das suas casas”, denuncia a Irmã Judith.

 

Tentar sobreviver

Cidades devastadas, campos abandonados, miséria total. Calcula-se que a inflação ultrapassou já os 800 por cento. Por causa da guerra, quase todos perderam tudo o que tinham: gado, casas, terra. Tornaram-se deslocados no próprio país, ou fugiram do Sudão do Sul e passaram a viver como refugiados. Como diz a Irmã Judith à Fundação AIS, “são forçados a viverem em campos onde há falta de comida e água, onde não há escolas, onde, em suma, não há futuro. As pessoas estão apenas a tentar sobreviver”. A desconfiança é enorme. Não há ninguém que não esteja enlutado. Todos conhecem alguma história terrível. “Alguns foram recrutados à força, até mesmo crianças”, diz a irmã. “As mulheres são muitas vezes violadas e depois são estigmatizadas por causa disso. A inflação é tão alta que as pessoas quase não conseguem comprar nada, e ficam completamente dependentes da ajuda internacional. Há uma grave escassez de cuidados médicos e há um número crescente de mortes entre os idosos, mulheres e crianças…”

 

Histórias terríveis

No Sudão do Sul ninguém está a salvo. Nem a Igreja. A Irmã Judith conta que duas pessoas que estavam envolvidas nos projectos da sua comunidade foram identificadas como pertencentes aos rebeldes. Bastou isso. “Foram torturados e queimados vivos dentro de suas casas. Isto aconteceu há algumas semanas. Noutra comunidade, as casas das pessoas pertencentes a uma determinada tribo foram saqueadas e destruídas. Os seus proprietários perderam tudo o que possuíam. Casas queimadas e cadáveres são visões comuns por aqui…” Mas, apesar da violência demente, há ainda esperança de que a guerra venha a terminar. Todos os dias, a Irmã Judith, assim como Monsenhor Roko Taban, procuram contrariar o horror, auxiliando as populações em fuga, ajudando a construir uma sociedade mais justa e pacífica.

 

Continuar a missão

Com o apoio da Fundação AIS, a Igreja Católica tem vindo a trabalhar na construção da paz e reconciliação. Mas não é fácil. A própria comunidade da Irmã Judith foi atacada. “Houve até mesmo um caso de violação.” As irmãs foram forçadas a fechar uma das missões. Era demasiado arriscado. “Temos que aumentar as medidas de segurança através da instalação de iluminação permanente e da construção de muros.” Viajar é muito perigoso. Mas há sempre esperança. Diz ainda a Irmã Judith, que agradece, comovida, a ajuda que a Fundação AIS tem feito chegar ao seu país: “Continuamos empenhados em servir o povo do Sudão do Sul, porque esta é a nossa missão e vocação”.

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