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P. Manuel Barbosa, scj
Sonhar ou sobreviver?

Na homilia do Dia Mundial da Vida Consagrada, a 2 de fevereiro, o Papa Francisco provoca em todos nós, e não só nos consagrados, a seguinte questão: sonhar ou sobreviver? São palavras suas: «Somos herdeiros dos sonhos dos nossos pais, herdeiros da esperança que não dececionou as nossas mães e os nossos pais fundadores, os nossos irmãos mais velhos. Somos herdeiros dos nossos anciãos que tiveram a coragem de sonhar; e, como eles, também nós hoje queremos cantar: Deus não engana, a esperança n'Ele não dececiona. Deus vem ao encontro do seu povo... Faz-nos bem acolher o sonho dos nossos pais, para podermos profetizar hoje e encontrar novamente aquilo que um dia inflamou o nosso coração. Sonho e profecia juntos. Memória de como sonharam os nossos anciãos, os nossos pais e mães, e coragem para levar por diante, profeticamente, este sonho».

O Papa provoca-nos ainda dizendo que os sonhos geram fecundidade, ao passo que a tentação da sobrevivência torna-nos estéreis: «a atitude de sobrevivência faz-nos tornar reacionários, temerosos, faz-nos fechar lenta e silenciosamente nas nossas casas e nos nossos esquemas. Faz-nos olhar para trás, para os feitos gloriosos mas passados, o que, em vez de despertar a criatividade profética nascida dos sonhos dos nossos fundadores, procura atalhos para escapar aos desafios que hoje batem às nossas portas». De facto, a tentação em sobreviver transforma as oportunidades missionárias em perigo, ameaça e tragédia.

Sonhar ou sobreviver? A vida consagrada, expressa nas suas pessoas, comunidades e institutos, é significativa se continuar a sonhar ser vida profética e a oferecer vida com esperança. Quantos tempos e energias perdidos a tratar de sobreviver em obras obsoletas e missões caducas de sentido, em vez de se investir em fecunda dedicação a sonhar carismas vitais e projetos concretos para os nossos tempos, sempre com os olhos postos na eternidade!

 

Sonhar ou sobreviver? O que acontece nas famílias e sobre as famílias? Passar todo o tempo a discutir apenas o capítulo VIII da «Amoris laetitia», por mais importante que seja, e é, pode ser mera terapia de sobrevivência se não se tiver na mente e no coração todo o conjunto da exortação, em particular o central capítulo IV sobre o amor no matrimónio. Olhar a família concreta, gerada no compromisso de amor entre homem e mulher no matrimónio, amor pousado no amor de Deus, é sonho fecundo de felicidade.

Sonhar ou sobreviver? Tomar a Constituição Sinodal de Lisboa como uma simples lista de orientações vindas do processo sinodal para remendar apenas certas situações pastorais é atitude de sobrevivência sem futuro. Tomá-la em fecunda receção, no discernimento de novos caminhos de empenhamento, é sonho missionário para chegar a todos.

 

Sonhar ou sobreviver? Assumir a catequese de crianças, jovens e adolescentes segundo modelos que pouco dizem à realidade concreta dos destinatários é manter sobrevivências. Tomá-la em atitude de permanente renovação, centrada na pessoa de Jesus Cristo e na experiência de vida n'Ele gerada, é simplesmente sonhar com alegria. Não é isso que intenta a reflexão provocada em ritmo sinodal pelos nossos bispos e o propósito do próximo Sínodo dos Bispos?

 

Sonhar ou sobreviver? Sonhar a vida é protegê-la e afirmá-la na sua plena existência e essencial dignidade, de modo inalienável e inviolável. Neste sonho da vida não cabem posturas de sobrevivências e muito menos propostas e realizações de violência e de morte, como o aborto e a eutanásia.

 

Sabe bem entoar aqui os nossos poetas António Gedeão, Fernando Pessoa e Sebastião da Gama: «Eles não sabem que o sonho é uma constante da vida... eles não sabem, nem sonham, que o sonho comanda a vida... pelo sonho é que vamos...». Sonhos de vida que ganham plenitude quando elevados até Deus, como nos diz apenas, em sentido pleno, o Cardeal Patriarca D. Manuel Clemente no seu primeiro twitter: «Não deixemos de sonhar os sonhos de Deus!».

 

Sonhar ou sobreviver? A opção atinge a nossa postura na sociedade, nas comunidades cristãs e religiosas: que nunca seja de sobrevivências adormecidas nas sombras rotineiras da noite, mas de sonhos acordados nas luzes fecundas do dia!