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Henrique Joaquim
Caridade: entre a confiança e a garantia através da transparência

Vivemos nos últimos dias (semanas) o sobressalto resultante das dúvidas apontadas ao funcionamento e ação da Cáritas Diocesana de Lisboa. A reflexão que aqui partilho não se refere ao caso concreto mas ao facto de considerar que este acontecimento é muito mais profundo do que à primeira vista pode parecer.

Marcados pela cultura do momento, em que a dúvida se lança e o julgamento se faz na praça pública e sem nenhum juízo crítico, das questões colocadas ao funcionamento desta organização da Igreja rapidamente se passou à acusação e dúvida sobre toda, ou quase toda a ação social por ela realizada. De tudo se tem ouvido e lido.

O que parece estar em causa é a necessidade de ser dada a garantia de que tudo o que se faz é para aqueles que mais necessitam. Na minha modesta opinião, é fundamental desde já esclarecer que a Cáritas enquanto organização, tal como outras organizações de natureza semelhante, “não faz caridade” mas age pelo amor – enquanto cáritas ou amor-ágape – a sua força motriz, o que a faz ser expressão do amor que nos transcende, mas que a todos nos plenifica, desafiando-nos a olhar de forma prioritária para os outros – enquanto irmãos – em especial aqueles que carecem de maiores cuidados para que possam viver o mais dignamente possível a sua verdadeira identidade.

Se por um lado ser expressão deste amor implica realizar uma ação assente na gratuidade, muitas vezes uma ação de cariz assistencial, por outro lado, esta ação tem de ter sempre como horizonte a promoção da pessoa e da sua dignidade humana o que implica uma ação organizada e planeada. Nunca é de mais repetir que a dádiva que não seja minimamente organizada corre o risco de ser contraproducente e assistencialista mas uma ação sem alma e sem uma intencionalidade assente no amor e na justiça torna-se fria e até desumana.

Mais do que nunca a ação social das organizações da Igreja tem sido desafiada pelas múltiplas necessidades humanas mas também pela sociedade do escrutínio. Hoje é verdade que não basta dizer que “quem faz o bem não deve a ninguém”, ainda que isto seja uma verdade incontornável. É fundamental, mais que nunca, aprofundar o que somos naquilo que fazemos e porque é que fazemos e agimos na sociedade que queremos construir.

É fundamental dar testemunho do que fazemos e por isso, sem propaganda, expressar e mostrar o que realizamos, ser transparentes. Contudo, é importante ter em conta que transparência não significa nudismo. Não deixa de ser curiosa a contradição social que vai crescendo: quando a Igreja através dos seus grupos e organizações, ou dos cristãos individualmente falando, age e apoia sem mais, é criticada porque é assistencialista e faz “caridadezinha” e porque não se sabe gerir nem organizar. Mas se começa a planificar a sua ação, o que cada vez mais se exige face à incerteza e à complexidade social, é criticada porque não apoia as pessoas. Não me chegaria o espaço para enunciar as situações que apenas e só encontram espaço, vontade e compaixão para ser cuidadas nas organizações da Igreja, quando os particulares e serviços públicos já não têm, ou não querem ter resposta. E esta é a sua missão sem dúvida nenhuma!

A ação social assente no amor e na promoção da dignidade humana realizada pelas organizações da Igreja enquanto expressão da caridade não está acima da crítica mas que esta crítica seja tão construtiva, tão honesta e tão transparente como o que se exige da ação caritativa.

Que saibamos todos retirar deste momento, não apenas o que é mais efémero e que as circunstâncias levam, mas que ele nos possa ajudar a aprofundar e ir ao essencial, às razões do que somos e do que fazemos, sabendo melhorar o como fazemos nos aspectos que possam ter de ser melhorados. Que saibamos amar aqueles que mais necessitam, aqueles que nos compreendem e acima de tudo aqueles que não nos compreendem. Foi e será esta forma de amar que marcou e tem marcar o nosso agir e do fazer enquanto expressão do que estamos chamados a ser.


presidente da Comunidade Vida e Paz e professor de Serviço Social na UCP