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Pedro Vaz Patto
Era forasteiro e recebeste-me...
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A temática das migrações e do acolhimento de refugiados e imigrantes vem sendo presença recorrente nas mensagens do Papa Francisco. A tal não serão estranhas as suas próprias origens: neto de imigrantes, vindo de um país construído por vagas sucessivas de imigrantes. Mas este é um fenómeno hoje incontornável em qualquer parte do mundo globalizado. Quando sopram com cada vez mais força os ventos hostis à imigração (que Donald Trump qualificou como um privilégio, e não um direito), a voz do Papa ressoa contra a corrente. Há quem o acuse de irrealismo ingénuo. Mas em várias ocasiões já mostrou que o seu pensamento tem sólidas raízes e não deve ser encarado como expressão de superficialidade emotiva.
Uma dessas ocasiões foi a do seu discurso aos participantes no Forum Internacional sobre Migrações e Paz, de 21 de fevereiro passado. Um discurso em que são constantes as referências ao magistério dos seus antecessores, como sinal da continuidade em relação a esse magistério.
Acolher, proteger, promover e integrar são as linhas-força da resposta comum que o Papa propõe nesse discurso. Estes quatro verbos representam um dever de justiça, de civilização e de solidariedade. Um dever de justiça decorrente de desigualdades económicas contrárias ao princípio do destino universal dos bens da Terra. Um dever de civilização como «aplicação daqueles princípios e valores de acolhimento e fraternidade que constituem um património comum de humanidade e sabedoria (...) historicamente codificados na Declaração Universal dos Direitos do Homem». Um dever de solidariedade que nasce da «capacidade de compreender as necessidades do irmão e da irmã em dificuldade, e de as assumir», onde se «funda o valor sagrado da hospitalidade, presente nas tradições religiosas». Para os cristãos, «a hospitalidade concedida ao forasteiro necessitado de amparo é oferecida ao próprio Jesus Cristo, que se identificou com o estrangeiro: “Eu era forasteiro e vós recebestes-me” (Mt 25, 35)».
Advoga, então o Papa uma política, que os seus críticos consideram irrealista e irresponsável, de abolição de fronteiras e descontrolo dos fluxos migratórios?
Num outro discurso, aos membros do Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé, de 9 de janeiro último, o Papa afastou essa ideia, ao afirmar que é necessário «saber conjugar o direito de cada ser humano a “transferir-se para outras comunidades políticas e nelas domiciliar-se” e, ao mesmo tempo, garantir a possibilidade duma integração dos migrantes nos tecidos sociais onde se inserem, sem que estes sintam ameaçada a sua segurança, a sua própria identidade cultural e os seus próprios equilíbrios político-sociais. Por outro lado, os próprios migrantes não devem esquecer que têm o dever de respeitar as leis, a cultura e as tradições dos países onde são acolhidos.» E acrescentou: «Uma abordagem prudente por parte das autoridades públicas não envolve a implementação de políticas de fechamento aos migrantes, mas implica avaliar, com sabedoria e clarividência, até que ponto o seu país é capaz, sem lesar o bem comum dos cidadãos, de oferecer uma vida decente aos migrantes, especialmente àqueles que têm real necessidade de proteção.»
A respeito da integração (questão que vem a propósito das polémicas relativas ao uso do véu islâmico), disse o Papa, também no discurso de 21 de fevereiro, que ela «não é assimilação nem incorporação, constitui um processo bidirecional, que se baseia essencialmente no mútuo reconhecimento da riqueza cultural do outro: não se trata de nivelamento de uma cultura sobre a outra, nem sequer de isolamento recíproco, com o risco de“guetizações” nefastas e perigosas».
Também há quem alerte para os danos que o acolhimento de povos de outras culturas possam provocar na identidade cristã da Europa. A esta questão, respondeu o Papa no discurso que deixou escrito quando visitou a Universidade Roma Tre, em 17 de fevereiro passado: «Considerando que a primeira ameaça à cultura cristã da Europa vem precisamente do seio da Europa, o fechamento em si mesmos ou na própria cultura nunca é a solução para voltar a dar esperança e realizar uma renovação social e cultural. Uma cultura consolida-se através da abertura e do confronto com as outras culturas, desde que haja uma consciência clara e madura dos próprios princípios e valores». Na verdade, a perda da identidade cristã da Europa vem da sua própria infidelidade, não de uma qualquer “invasão”. E uma cultura forte não se perde no contacto com outras, antes com este se consolida e enriquece.
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